[059] O 3º ano do Núcleo Regional da A. P. M.

Memórias

Nos comentários finais do testemunho anterior, afirmei que, no início da década de 1990, o associativismo terá sido o factor decisivo na enorme expansão dos projectos relacionados com a Matemática nas escolas dos concelhos de Almada e Seixal.
Que outros argumentos posso juntar ao que o quadro que apresentei no final desse testemunho representa?

Além das escolas, o grupo de professores que estudei através da minha tese de mestrado tinha como contexto de acção a vida da Associação de Professores de Matemática, e muito em particular a do seu Núcleo Regional em Almada e Seixal.
Este fora criado em 1989-90 (testemunho «040»), tendo um primeiro ano regular em 1990-91, com, entre outras iniciativas, o início do primeiro projecto interescolas, o AlterMATivas, para três anos (testemunho «045»), a eleição da primeira Comissão Coordenadora, para dois anos, e a realização do 1º Encontro Anual de Professores (testemunho «049»).
O ano de 1991-92 foi marcado pelo início de um segundo projecto interescolas, o MATlab (testemunho «055») e pelo lançamento de um «Boletim Informativo» e pela realização do 2º Encontro Anual de Professores.
Foi este ambiente de encontro, destinada a partilha livre e igualitária de ideias e de projectos, que eu penso ter sido decisivo para a criação de um movimento que visava mudar o modo como se aprendia e ensinava Matemática nesta região.

A edição de um Boletim Informativo fora decidida pela Assembleia Geral realizada no final do 1º Encontro Regional de Professores, tendo a Comissão Coordenadora posto em prática essa decisão (o seu primeiro número foi editado em Março de 1992 e a sua primeira página - onde figura a notícia sobre a «Janela da Matemática» na Escola Preparatória da Cova da Piedade – é a que mostro a seguir): 


Durante os primeiros anos, estes boletins, tal como as fichas produzidas pelos projectos interescolas, eram produzidos digitalmente, com o programa First Publisher, e guardados em disquetes. Se havia uma imagem a inserir, ou ela era desenhável com aquele programa (o que aconteceu sobretudo com as fichas), ou era impossível por essa via, e então as imagens originais eram fotocopiadas, recortadas e coladas numa versão impressa do boletim (os scanners ainda não eram acessíveis).
Com este original analógico do boletim, era então possível ir fotocopiá-lo de borla na sede da APM, em Lisboa; mas a preparação dos envelopes para serem enviados por correio para os sócios era feita pelos membros da Comissão Coordenadora, normalmente através de uma noitada.
Na sede da APM, pelo menos a partir de certa altura, também era possível imprimir uns autocolantes com as moradas dos sócios de Almada e Seixal, tornando mais fácil endereçar os envelopes, que, finalmente, podiam ser enviados por correio.
Também era enviado um exemplar dos boletins para cada uma das escolas do 1º Ciclo, e alguém sugeriu que, em relação às do concelho do Seixal, os enviássemos através de uma Escola Primária situada na Amora, onde funcionava uma sua administração concelhia (não me recordo como se fazia em relação às escolas de Almada).
E deste modo, com o empenho rotativo de alguns de nós, se foi estabelecendo uma rede de distribuição de informações, por sua vez alimentada pelas que eram enviadas à Coordenadora para serem divulgadas.

No dia 28 de Março de 1992 o Núcleo organizou na Emídio Navarro um encontro de professores destinado a “trocar ideias” (de manhã) e a jogar (à tarde), tendo alguns, pelo meio, mantido o convívio através de um almoço.

No dia 29 de Maio de 1992, através dos animadores dos seus dois projectos interescolas, o Núcleo participou numa das sessões de A Matemática à Conversa, uma série de sete encontros organizados na sede da APM durante o 3º período lectivo:


A imagem que figura neste cartaz foi desenhada por mim, com o First Publisher. É perceptível a dificuldade que tive para garantir as proporções adequadas (a chávena e o pires estão demasiado largos); mas já não é perceptível que o fumo e a sua sobreposição com o «M» (de «Matemática») foram desenhados ponto-a-ponto.

O misterioso título da intervenção escolhido pelas equipas dos projectos AlterMATivas e MATlab, “20 Hipóteses para 3 Espaços”, aludia aos espaços «curricular», «não-curricular» e «associativo», ou seja, pretendia chamar a atenção para a necessidade da convergência de todo o tipo de intervenções se pretendêssemos «mudar a educação».

No cartaz, a terceira linha a contar do fim dá uma indicação interessante a quem tiver sensibilidade para a evolução dos contextos históricos: em Lisboa, a APM tinha acabado de mudar de sede! Para quem já não se lembra: a sede era, antes, na Avenida 24 de Julho; agora mudava-se para o Colégio dos Maristas; e mais tarde iria para a Escola Superior de Educação e, por fim, para a actual sede, junta à Segunda Circular.

Disponho de uma fotocópia da folha de presenças nesta sessão. Participaram nela 15 professores, cujas escolas (ou lugar de trabalho) estão a seguir designadas tal como o eram na altura: Rosário Ribeiro (destacada na A.P.M.); Vítor Lourenço Casaca (C+S de Quinta do Conde); Paula Teixeira (ES da Amadora); Adelina Precatado (ES Camões); Maria José ???inho (ES da Damaia); Ana Mota, Maria da Conceição Tomás e Rita Vieira (ES Emídio Navarro); Ana Baltazar (ES do Fogueteiro); António Bernardes (ES Gil Vicente); José Paulo Viana (ES Marquês de Pombal); Pedro Esteves (ES Nº 1 do Seixal); Maria de Jesus Bicho (ES Rainha Dª Amélia); Eduardo Veloso (Faculdade de Ciências); e Maria Amélia Trigo (???).

No final do ano do ano (1, 2 e 3 de Julho) o Núcleo organizou o 2º Encontro Regional de Professores.
Desta vez foram escolhidas as escolas Secundária Emídio Navarro, Preparatória de Corroios e Secundária Nº 1 de Corroios, tal como então eram designadas.
Comparando as intervenções deste ano com as do 1º Encontro, manteve-se a predominância da «apresentação de projectos» locais em relação à «formação de professores» (6 / 2), surgindo como novidade a «promoção da Reforma Curricular» (4), dado esta estar em vias de se generalizar a todas as escolas.

Na Assembleia Geral de sócios que encerrou o encontro foi decidido criar grupos de trabalho sobre dois dos anos curriculares (5º e 7º) em que a Reforma seria generalizada em 1992-93 e ainda sobre o Secundário. E, para o reforçar, foi também decidido publicar um novo «Boletim Informativo», o Nº 3, ainda antes do início das férias, para “incentivo de todos os colegas ao trabalho em equipa”, e, através dele, convocar, para Setembro, reuniões destinadas aos professores interessados em coordenar esforços na implementação dos novos currículos e nas iniciativas de carácter extracurricular.

A Assembleia permitiu ainda que fosse eleita a segunda Comissão Coordenadora, para o biénio 1992-94, constituída por: Ana Baltazar e Ana Fialho (ES do Fogueteiro, actual ES Manuel Cargaleiro), Fernanda Coelho (Escola Preparatória de Corroios, actual EB de Corroios), Filomena Teles (ES Anselmo de Andrade), José Tomás (ES Nº 1 do Laranjeiro, actual ES Rui Luís Gomes), Margarida Junqueira (Pólo Minerva da Faculdade de Ciências e Tecnologia), Mirita Sousa (ES Nº 1 de Corroios, actual ES João de Barros) e Patrícia Cascais (ES Nº 2 do Laranjeiro, actual ES Francisco Simões).

Comentários

A conversa a que foi dado o misterioso nome «20 Hipóteses para 3 Espaços» foi organizada assim: os participantes organizaram-se por grupos; cada grupo sentou-se numa mesa própria; cada mesa dispunha de três folhas subdivididas em três colunas; só as colunas da esquerda, sob a designação «OBSERVAÇÕES», estavam preenchidas com rectângulozinhos, dentro dos quais estava escrita uma frase; sobre cada mesa havia também uns chocolatinhos, estando escondidos debaixo deles outros rectângulozinhos, recortados, cada um deles com uma frase escrita; quando os participantes descobriam os rectângulozinhos que estavam debaixo dos chocolates, os organizadores explicavam que as frases eram «POLÉMICAS» e que deveriam ser colocadas nas colunas do meio, de modo a fazerem sentido com as frases vizinhas chamadas «OBSERVAÇÕES»; e assim podiam conversar uns com os outros e construir as suas próprias frases, chamadas «HIPÓTESES», e escrevê-las nas colunas da direita …

Os organizadores levavam «16» HIPÓTESES preparadas (não me lembro por que razão se anunciavam «20»), pelo que o importante era o debate, a partir de «factos» (as «OBSERVAÇÕES») e de «questões» (as «POLÉMICAS») …

Os participantes construíram quatro HIPÓTESES (talvez os grupos tenham sido quatro), transcritas a seguir (não me recordo de «quem escreveu o quê»):

Projectos significativos devem partir da área da Matemática e atrair a si outras áreas. Um tal projecto pode ter origem na sala de aula, espalhar-se para outros espaços – clubes, Centros de Recursos -, aulas de outras disciplinas, etc.. Será uma antevisão de uma escola do futuro.
Ex.: Descobrimentos e Matemática.


Os espaços extra-curriculares existentes – Centros de Recursos, clubes – podem e devem também ter um papel importante quer de resposta e viabilização dos Projectos que tiveram origem na sala de aula, quer provocando eles próprios «desafios» que poderão ou não chegar até à sala de aula.

Deveremos sonhar com a Escola do Futuro; e quando precisarmos de tomar decisões sobre coisas concretas, hoje, perguntarmo-nos de que modo estaremos a caminhar para ela.

A atitude do corpo docente deve ser a de simultaneamente tomar a iniciativa nas Escolas e exigir condições.

Gosto particularmente da terceira destas hipóteses, porque estabelece uma ligação entre o «futuro» e o «presente» e porque acho que nos 50 anos que nos separam do 25 de Abril os professores falharam em estabelecer essa ligação (irei retomar esta tese em vários dos próximos testemunhos).


Eis o modo como os organizadores tinham imaginado ligar as três colunas:




Penso que esta incursão das gentes da margem Sul na nova sede da Associação de Professores de Matemática foi a sua primeira intervenção pública com um carácter proto-teorizador, não se limitando ao que era estritamente profissional, antes associando, numa única intervenção, todos os aspectos que importava a um professor de Matemática pensar naqueles anos.


O 2 Encontro Regional de Professores foi particularmente duro para mim (mal me recordo do que se passou nele): o meu pai estava terminalmente doente, eu acompanhava-o e ele faleceu no dia 13 de Julho.
Ninguém é profissionalmente imune à sua vida pessoal.


Fontes: Pedro Esteves / Arquivadores analógicos Núcleo Um (Doc.s 14, 15 e 17) e APM Três (Doc.s ……, ……, ……, …… e ……) / Actas do 2º Encontro Regional de Professores

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