[013] O primeiro contacto com o associativismo docente

Memórias

Foi por estes anos que o associativismo começou a questionar o isolamento dos professores.
A Sociedade Portuguesa de Matemática (a partir daqui: SPM), tinha retomado as suas actividades, depois da longa interrupção provocada pela repressão a que muitos dos seus membros haviam sido sujeitos pelo regime deposto em 1974. No início de 1987 uma das suas delegações regionais organizou, em Évora, o MATSUL, um encontro destinado a matemáticos e a professores do ensino básico e secundário. E eu inscrevi-me, tendo esse sido o meu primeiro contacto com o associativismo docente.
O Ministério da Educação autorizou a dispensa de serviço docente a quem participasse e eu parti para Évora, onde, durante três dias, de 5 a 7 de Janeiro, participei numa estimulante variedade de sessões de trabalho: «Topologia das superfícies», por Eduardo Rego; «Resolução de problemas e trabalho de projecto em Geometria», por Paulo Abrantes; «Um modelo matemático simples para um problema de Bioeconomia», por José Luís Fachada; «Ler jornais é saber mais», por Luís A. Martins; «A revolução infinitesimal», por Augusto F. Oliveira; «A Matemática no Ciclo», por Paulo Almeida; «Ensino da Matemática em Portugal, que perspectivas?», por Fernando Sequeira; e «Alguns aspectos da História da Matemática em Portugal», por J. Santos Guerreiro.

Não me lembro de, na tarde do segundo dia, ter participado numa visita guiada à cidade de Évora, mas lembro-me vagamente do jantar que se lhe seguiu, e lembro-me muito bem de várias das sessões de trabalho, pois tirei notas a todas elas.

Gostei particularmente das sessões de trabalho com o Eduardo Rego (sobre a Topologia, assunto que nunca havia estudado) e com o Paulo Almeida (sobre a Geometria, abordada de forma prática, tal como me interessava desde o ano anterior), tendo as primeiras notas a esta última sido as seguintes:


Depois deste encontro não voltei a participar em outras actividades organizadas pela SPM. Só dois anos e meio depois voltaria a interessar-me pelo associativismo docente, quando alguns colegas de Matemática que leccionavam em Almada e Seixal me desafiaram a participar nas actividades organizadas por uma outra associação, fundada em 1986, a Associação de Professores de Matemática (APM).

Regressado de Évora à escola, lembro-me de a Ana Chorincas, numa reunião do grupo de Matemática, ter proposto que eu apresentasse a todos os colegas o essencial daquilo a que tinha assistido no MATSUL. Era uma boa proposta, pois contrariava o hábito de «cada um por si» instalado nas escolas. Mas essa proposta nunca chegou a ser concretizada – nunca ninguém me lembrou que a concretizasse; mas eu lembrei-me várias vezes de não a ter concretizado.
Só uma década depois este grupo de Matemática iria romper com esta aparente incapacidade de todos aprenderem com todos …

Comentário

Um dos assuntos que me incomodaram durante este ano na escola foi o modo como o Conselho Pedagógico decidiu organizar uma «acção de formação» sobre «avaliação»: ela deveria ser «obrigatória» e realizada num Sábado de manhã. Como o João Louro também presidia ao Conselho Pedagógico, aproveitei uma das reuniões do Conselho Directivo para aí apresentar os meus protestos (aliás, escrevi o que pensava, o que agora me deu jeito para relembrar exactamente o que me incomodava). Perguntei eu aos meus colegas do «directivo»: “os 6 dias [de dispensa lectiva para formação contínua] a que cada professor tem direito devem ser de decisão do próprio ou poderão ser «alienados voluntariamente»? é possível obrigar um professor a esta ou aquela formação contínua?” Não me foi dada resposta, e a «acção de formação» acabou por se realizar (no dia 27 de Novembro), tal e qual tinha sido prevista pelo Conselho Pedagógico. Lembro-me de ter sido realizada na Biblioteca mas não me lembro nem um bocadinho do que lá foi dito.
O meu protesto pode ter sido encarado, na altura, por alguns, como mais uma reacção do enfant terrible. Mas não me parece que eles a possam continuar a encarar assim hoje. Todos os professores que leccionaram nos últimos vinte anos sabem como a liberdade de escolha da formação contínua se foi tornando um problema. Nós, professores, fomos os primeiros a não clarificar este abuso.

Fontes: Pedro Esteves / Pasta analógica MATSUL 87 (Doc. 5) e Arquivador analógico ESJA Um (Doc. 12)

[012] Que dizer da «Acção Piloto» para jovens?

Memórias

Houve cinco anos lectivos em que foram abertos cursos da Acção Piloto de Formação de Jovens, tendo a Siderurgia Nacional participado em cada um desses anos. No quadro seguinte está resumido o que sucedeu aos alunos que passaram por esses cinco cursos (nalguns casos, à entrada para o 2º ano, ou para o 3º ano de um dos cursos, o número inicial de alunos foi aumentado ou reduzido devido a razões não escolares): 


Desconheço o balanço que o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho terão feito da generalidade desta Acção Piloto. Mas posso lembrar alguns factos.

Os jovens que se inscreveram nestes cursos, tanto na Siderurgia como nas outras empresas participantes, pertenciam ao largo grupo dos que, antes, se haviam sentido desconfortáveis no «ensino formal». Para podermos perceber o que aí se passava, a percentagem dos alunos que se haviam matriculado no 7º ano do Curso Unificado em 1977-78, em todo o país, e que três anos depois, portanto em 1980-81, tinham concluído o 9º ano, foi de 41,6 %. Portanto, quase 60 % destes alunos inscritos haviam sido retidos pelo menos uma vez ou haviam abandonado os estudos ao longo destes três anos.
É pois difícil aceitar que em centena e meia de jovens que passaram pelos cursos da Siderurgia, quase metade tenha voltado a não ter sucesso, desta vez duplamente: nem na componente «escolar», nem na «profissional».

Esta também parece ter sido a certeza das autoras de um estudo, feito em 1985 para o Instituto de Emprego e Formação Profissional, no qual se queixaram de os “métodos e conteúdos pedagógicos na Área Formativa Comum” da Acção Piloto, elaborados por “técnicos”, não diferirem dos da “escola tradicional”, pelo que, escreveram elas, “podemos considerar que traímos as expectativas dos jovens em relação a esta formação: a maioria deles decidem deixar a Escola porque não a aceitam e vêm encontrar aqui, uma outra, que é a mesma nos seus defeitos e limitações”. E, acrescentaram, “os professores da componente formativa comum”, colocados pelo Ministério da Educação, “não foram sensibilizados, por esta ou por qualquer outra entidade, para as características especiais desta formação e da população a que a mesma se dirige”.
Mas a estas queixas deverão ser acrescentadas outras. A componente «profissional» da Acção Piloto visava formar, na Siderurgia, electricistas, fresadores, serralheiros e torneiros. Mas no inquérito que dirigi aos meus 44 alunos de 1985-86, apenas 16 tinham como preferência a profissão que correspondia ao curso que frequentavam, estando na mente dos restantes 28 uma enorme variedade de alternativas. Adicionalmente, 31 destes alunos disseram que o curso deveria ser diferente: apesar de os seus principais argumentos focarem a falta de raparigas, as férias curtas e a impossibilidade de sair da empresa quando não havia aulas, estes aspectos também contam para o sucesso de um curso destinado a «jovens».

Comentários

Estes alunos ainda não eram adultos, pelo que não terá sido bom que cada um dos cursos em que eles foram envolvidos fosse dirigido a uma única profissão, num ambiente concentracionário de empresa, onde não havia contacto com outros jovens da mesma idade.
Quanto aos professores e aos programas, é de notar que quem tinha a formação escolar a seu cargo dispunha de uma redução do número de horas que leccionava, o que parece ter sido uma aposta na sua criatividade profissional; então, mais importante do que os programas deveria ser o modo como os professores os transformavam, à medida que conheciam os seus alunos e os cursos. Teria pois sido importante, dado o carácter experimental desta Acção Piloto, a existência de contactos regulares entre os professores envolvidos em empresas diferentes: o que parece não ter passado pela cabeça dos responsáveis por estes cursos …

O facto de não se ter pensado num contacto entre professores envolvidos em diferentes empresas, ou até entre os envolvidos, em anos diferentes, na mesma empresa, mostra como a ideia de que o professor trabalha isoladamente era então dominante …

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Um (Doc. 03, Doc. 04, Doc. 06, Doc. 97, Doc. 98 e Doc. 120)

[011] Para além das aulas, na Siderurgia e nas Cavaquinhas

Memórias

Com base nos documentos que guardei, e na minha memória, houve, em 1986-87, diversos estagiários na Escola Secundária do Seixal, acompanhados por três instituições de formação inicial envolvidas, a Escola Superior de Educação de Setúbal, a Escola Superior de Educação de Santarém e a Faculdade de Ciências e Tecnologia. Só me recordo de três desses formandos, o Luís Carlos Carvalho e o Vítor Louro, da Mecanotecnia, que depois do estágio se manteriam nesta escola, e um formando de História, que, após o estágio, foi para outra escola.

Por aquela altura, muito daquilo que era «extracurricular» ainda não tinha uma base organizacional sólida; mas estávamos a tomar consciência de que essa base era indispensável. E nas reuniões do Conselho Directivo íamos estando em contacto com essa transformação e ganhando consciência de seriam necessários espaços específicos, e também financiamento, para que essas actividades pudessem existir.
Um pouco ao sabor do que foi surgindo nessas reuniões anotei os seguintes indícios de vida escolar para além da lectiva:
A Associação de Estudantes solicitou ao FAOJ o envio de um «monitor» para avaliar os computadores existentes na escola e propor o que fosse necessário para que se constituísse um Núcleo de Informática; é provável que esta intenção apenas quisesse consolidar o que já existia, pois há outras referências à constituição deste núcleo dois anos antes;
O Olímpio Pereira e o Vítor Solha participaram, na Escola Secundária do Monte de Caparica, numa “primeira reunião destinada ao lançamento”, em 1987-99, do Projecto Minerva na nossa escola; pretendia-se que este projecto tivesse impacto tanto pedagógico como administrativo;
A Câmara Municipal do Seixal estava a preparar um Plano de Acção Cultural Câmara – Escolas, a vigorar em 1987, para o que mantinha contactos com os Conselhos Directivos e as Associações de Estudantes do concelho;
A escola mantinha boas relações com o Clube Recreativo e Desportivo das Cavaquinhas (pelo que soube mais tarde, essas relações teriam a ver com a prática do Xadrez);
Duas alunas propuseram a criação de um Núcleo do Ambiente e a realização de “uma série de actividades a integrar no Ano Europeu do Ambiente”;
A nossa escola já contava com uma Psicóloga, a Manuel Menezes (que, um ou dois anos depois, seria transferida para a Escola Secundária do Fogueteiro);
Em Maio realizou-se a Semana do Inglês;
O Arlindo Carvalho tinha preparado o arranque do Núcleo de Fotografia;
O jornal escolar Nova Maré estava ligado a disciplina de Jornalismo, mas tinha ambições para além desta;
Um grupo de alunos queria constituir uma Juve Leo na escola, apenas para afixar propaganda;
O Grupo de Teatro «Os Arlequins», dinamizado pela Madalena Silva, estava muito activo;
Foi solicitada a realização das Olimpíadas da Matemática na escola e, para as preparar, iria ser lançado um concurso de problemas.

Este concurso de problemas de Matemática era da minha iniciativa, dirigia-se tanto aos alunos da Siderurgia como aos das Cavaquinhas e chamou-se Problema da Quinzena. Foi constituído por oito problemas para os alunos dos «Unificados» (3º Ciclo) e por outros tantos para os alunos dos «Complementares» (Secundário).

Um desses problemas, de que gosto especialmente, era o seguinte:


Uma parte do balanço deste concurso foi feita através de uma tabela em que descrevi a participação das diversas turmas da escola. A numeração de «1» a «8» corresponde aos problemas; o «1», o «1/2» e o «0» que figuram sob cada problema são as três classificações previstas; as turmas que a escola tinha estão numeradas pelo respectivo ano; o professor de cada uma delas está identificado à direita (nos Complementares nem todas as turmas tinham «Matemática»); e os números que figuram no interior dizem quantos alunos responderam, em cada turma, a cada problema.

Portanto, neste ano, a Escola Secundária do Seixal teria sete turmas no 7º ano, dez turmas no 8º ano, oito turmas no 9º ano (mais duas a ele equivalentes na Siderurgia), oito turmas no 10º ano, oito no 11º ano e 3 no 12º ano.
Total, só nas Cavaquinhas: quarenta e quatro turmas!
E ainda havia aulas à noite, não estando aqui recenseadas as correspondentes turmas.

Foi certamente através deste concurso que comecei a interagir com os outros professores de Matemática e a conhecê-los. Não sei se haveria algum de nós que apenas leccionasse os cursos noturnos. Mas os que leccionavam de dia são os que estão referidos acima: a Ana Chorincas, a Ana Pontes, o Carlos Lourenço, a Clorinda Agostinho, o Fernando, o Ismael, o João Aleixo, a Manuela, o Mário Rosa, o Olímpio Pereira e eu próprio. Todos, excepto o Olímpio, leccionavam pelo menos uma das turmas do «Unificado».

Houve uma outra parte do balanço deste concurso que foi mais extensa. Alguns destaques do que nela estava escrito:
Alunos participantes: 58, de 16 turmas;
Total das respostas dadas: 119; quase 15, em média, por cada um dos 8 problemas (conjuntamente pelos Unificados e Complementares);
As turmas do 7º ano contribuíram com 36 participantes (62 % do total), sendo este o ano em que a participação das meninas foi mais forte;
As turmas com maior número de respostas foram, por ordem decrescente, o 7º 7, o 7º 6, o 9º 1 e o 3º B (Siderurgia);
Os três melhores participantes dos Unificados foram: o Paulo Silva (3º B), com 8 pontos; o Paulo Alexandre Jacinto (7º 7), com 6 pontos e o Walter Manuel Carreiro (7º 7), também com 6 pontos, tendo os três recebido um prémio (não me recordo qual, mas provavelmente foi um livro … com mais problemas!);
O melhor participante dos Complementares (e único a receber prémio) foi o José António Portugal (11º 4), com 4,5 pontos.

Comentários

Por diversas vezes ouvi membros deste Conselho Directivo, e dos seguintes, referirem-se à importância do «local de residência» dos professores, estando subjacente a preocupação com o facto de muitos morarem fora do concelho, o que dificultava o seu envolvimento na escola. A escola não era vista por eles como estando reduzida à componente lectiva.

É bem possível que o Problema da Quinzena tenha sido o primeiro concurso de problemas de Matemática realizado nas Cavaquinhas, bem como estas Olimpíadas da Matemática (os melhores alunos da «fase escolar» poderiam, depois, participai na «fase distrital»).
Na página «Documentos» deste blogue foi colocado um PDF com os enunciados e as soluções do «Problema da Quinzena» (pasta «Concursos de Problemas»).

Em particular nos anos 80, muito do material didático, dos testes e dos relatórios eram escritos «à mão». Aconteceu o mesmo com este concurso de problemas. Nem sempre era prático usar as máquinas de escrever com que se trabalhava naquela época. Nalguns casos, em que era necessário introduzir desenhos, tabelas ou gráficos, recorria-se à sua fotocópia, depois recortada e colada na folha que depois seria policopiada.

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Um (Doc. 117, Doc. 118 e Doc. 119); Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Dois (Doc. 06)

[010] A sublimação dos nervos durante as reuniões do Conselho Directivo

Foi difícil estar quase totalmente limitado a tratar de assuntos burocráticos durante os dois anos que estive no Conselho Directivo. Mas certamente não o foi só para mim.

Um dos modos pelos quais procurei «sublimar» os nervos que as burocracias e os intermináveis assuntos em discussão me provocavam foi desenhando durante as reuniões (além de tomar notas, de vez em quando também desenhava). Eis um desses desenhos, datado de 13 de Janeiro de 1987 (todos os membros do Conselho Directivo o assinaram, o que talvez signifique que todos estávamos a precisar de rir um bocado): 


Este outro, esboçado em 17 de Fevereiro do mesmo ano, lembra, a quem já se esqueceu disso, como naquela altura se podia fumar à vontade em qualquer local fechado:

Comentários:

Só possuo fotocópias dos desenhos originais; e a do segundo ficou cheia de «riscos verticais», produzidos pela fotocopiadora da escola (daí o contrato de manutenção de que estas máquinas estavam a precisar), pelo que tive de lhe dar, para este testemunho, um tratamento via «PAINT».

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Dois (Doc. 17 e Doc. 18)