[069] Uma apreciação do Projecto AlterMATivas, três décadas depois (I)

Estudo de caso


O Projecto AlterMATivas foi concebido por um grupo de professores de Matemática e por eles concretizado ao longo de três anos lectivos: 1990-91, 1991-92 e 1992-93.
Os professores que estiveram envolvidos na sua concepção foram a Ana Paula Natal, a Filomena Teles, a Lídia Lourenço, o José Tomás Gomes, a Palmira Barroso, o Pedro Esteves e a Rita Vieira, todos leccionando em escolas com 3º Ciclo e Secundário dos concelhos de Almada e Seixal.

Três aspectos contextuais deste projecto tiveram particular relevância na decisão de o conceber: a cooperação que os seus autores e outros professores haviam iniciado em 1989-90, no âmbito do então criado Núcleo da Associação de Professores de Matemática nos concelhos de Almada e Seixal; o anúncio de uma reforma curricular, a iniciar, em 1992-93, no 3º Ciclo; e o conhecimento muito genérico do Projecto MAT789, iniciado em 1988-89 e concluído em 1991-92 Nota 1.
Tal como o MAT789, o AlterMATivas pretendia acompanhar grupos de alunos ao longo do 3º Ciclo, experimentando nas respectivas turmas novas formas de abordagem dos programas de Matemática que, então, ainda estavam em vigor.

Descrever este projecto por um dos seus autores, três décadas após a sua conclusão, visa constitui-lo como um estudo de caso que possa ser divulgado junto de quem implementa projectos semelhantes, esperando que a generalização deste procedimento e o consequente debate contribuam para a constituição dos saberes e dos valores da profissão docente.
É por tal corpo de fundamentos não estar ainda codificado e partilhado Nota 2 que este estudo de caso segue uma metodologia indutiva, transformando gradualmente o descritivo em reflexivo e, por fim, em hipóteses proposicionais.

Como o tempo passado desde a conclusão do AlterMATivas  trouxe a possibilidade de o apreciar a partir de um conjunto de questões mais gerais, será a partir destas, e tendo em conta as respostas que os factos lhes derem, que este estudo de caso se organizará. Essas novas questões são as seguintes:
a) Que filosofia pedagógica foi concretizada através da interacção entre alunos e professores?
b) Que resultou da interacção entre os professores e o projecto?
c) Como interagiu este projecto com os seus contextos?

As origens e os contextos do projecto

Cerca de dez anos antes de o projecto AlterMATivas se iniciar foi constituído
, por sócios da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), o Grupo Para a Renovação do Ensino da Matemática (GREM). Em Junho de 1981 o GREM publicou o n º 1 do boletim «Inflexão», onde destacava duas razões para as suas preocupações renovadoras:
O ensino que temos assenta em duas traves mestras:
– Programas desadequados;
– Modelo de ensino tradicionalmente expositivo (centrado no assunto e no professor).

Pelo que, defendia, era necessário: “Planeamento e organização de módulos de ensino. Elaboração de material didáctico (em especial para ser usado pelo aluno) e de documentação de apoio. Organização de Clubes de Matemática e projectos de acção interdisciplinar. Avaliação e reflexão sobre as experiências efectuadas.

Se apenas alguns dos professores que se viriam a envolver no Projecto AlterMATivas terão tido conhecimento do GREM e dos diversos números do «Inflexão» que foram publicados
Nota 3, é certo que todos conheceram a Associação de Professores de Matemática (APM) e nela se empenharam.
A APM foi
fundada em 1986 por iniciativa dos membros do GREM. E a revista por ela criada, a «Educação e Matemática», foi proporcionando um contacto regular com as ideias surgidas nas experiências de renovação do ensino que então se estavam a fazer: nos seus quatro primeiros números, correspondentes ao ano de 1987, foram publicados 59 artigos; 2 deles focavam o nascente associativismo; 1 abordava a Matemática teórica e 4 a História da Matemática; 5 centraram-se na didáctica teórica, 28 na sua prática em sala de aula, 3 na sua exploração extracurricular e 1 na interdisciplinaridade; 12 referiram-se à reforma educativa em preparação e 3 às perspectivas reformistas internacionais. Com mais de metade dos artigos publicados oriundos das experiências escolares, estes números do «Educação e Matemática» mostram-nos, hoje, como estava a ganhar fôlego o “movimento de mudança” a que Eduardo Veloso e Henrique Guimarães aludiriam quase dez anos mais tarde Nota 4.

A fundação, em 1989-90, do Núcleo da APM nos concelhos de Almada e do Seixal (adiante designado por Núcleo, ou por Núcleo Regional) foi outro sinal desse movimento de mudança, este ao nível associativo. Logo noseu  primeiro ano de existência, três dos professores que viriam a ser autores do AlterMATivas decidiram encetar experiências pedagógicas nas suas turmas do 7º ano, o José Tomás e a Palmira na Escola Secundária Nº 1 do Laranjeiro, em torno da utilização do Geoplano, e o Pedro Esteves na Escola Secundária Nº 1 do Seixal, um pouco sobre todos os temas.
Nesse primeiro ano do Núcleo Regional houve outros professores a ele ligados a implementar experiências pedagógicas, algumas em turmas do Secundário; mas no final do ano lectivo, quando se lançou o desafio de iniciar projectos interescolas em 1990-91, foi entre os professores do 3º Ciclo que o desafio encontrou mais forte resposta.
Os sete professores que aceitaram envolver-se neste desafio iriam leccionar em seis «escolas secundárias», a Anselmo de Andrade, a de Cacilhas, a Emídio Navarro, a Nº 1 e a Nº 2 do Laranjeiro e a Nº 1 do Seixal. No documento fundador, elaborado pelo José Tomás Nota 5, onde já é adoptada a designação «AlterMATivas», afirma-se a pretensão de “estabelecer pontes com a reforma curricular”, em vias de se generalizar, visando responder ao “insucesso registado em matemática” e “motivar os alunos” para a sua aprendizagem, através, por exemplo, da “resolução de problemas”, das “actividades de investigação”, da utilização de “materiais” (manipuláveis), da “máquina de calcular”, do “computador” e do “trabalho de projecto”. Refere-se ainda que o “pano de fundo” inspirador deste projecto era a existência de “algumas experiências ultimamente levadas a cabo” (como o MAT789) e um “conjunto de preocupações gerais” recentemente expressas, que se podiam resumir na afirmação de “a aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de atitudes, o desenvolvimento de capacidades” pressuporem “uma atitude activa do aluno na construção do seu «saber», experimentando, conjecturando, formalizando, abordando os problemas sob diferentes pontos de vista.

Logótipo usado nas fichas de trabalho
(escrito com o First Publisher)


Os sete professores que iniciaram o projecto também fazem parte do «pano de fundo» do AlterMATivas. Para os caracterizar, sob o seu ponto de vista, apenas disponho das entrevistas que realizei com três deles, em 1995-96, para fundamentar a minha tese de mestrado, através da qual estudei, precisamente, as iniciativas do Núcleo da APM, entre elas o AlterMATivas Nota 6. Nessas entrevistas Nota 7, tanto a Filomena como o José Tomás descreveram o seu interesse pelo papel das dinâmicas culturais nas aprendizagens escolares (sendo a Filomena também sensível ao papel das dinâmicas pessoais) e, tal como a Rita, lembraram como se tinham envolvido em actividades extracurriculares, em particular as ligadas à informática.
Quanto ao autor deste blogue, destacaria, hoje, o ter associado, durante alguns anos, as aprendizagens escolares quer às dinâmicas profissionais (Empresa Pública das Águas de Lisboa), quer às dinâmicas profissionalizantes (Siderurgia Nacional); e que também estive envolvido em actividades extracurriculares, de carácter lúdico (tal como a Rita).
Para estes quatro professores, cada um deles com uma a duas décadas de experiência escolar, a «sala de aula» não era o único espaço onde se podia aprender Matemática.

O primeiro ano do projecto

Quando o AlterMATivas se iniciou, os seus sete autores leccionavam um total de 15 turmas do 7º ano, em seis escolas.

Para prepararem as intervenções lectivas e para resolverem os problemas organizacionais, estes professores encontravam-se semanalmente, à noite (todos tinham horário exclusivamente diurno), numa das escolas do projecto. Coube-me, durante os três anos do projecto, coordenar esta equipa.

A produção de materiais foi o assunto dominante nesses plenários. De um modo geral, centrava-se na elaboração de «fichas de trabalho», nalguns casos com o apoio de um «material manipulável» (como a calculadora ou o geoplano). Como cada ficha se destinava a abordar um determinado tema curricular, a sua elaboração resultava, muito genericamente, da interacção entre o que se pretendia desse tema, o que se esperava que a ficha ajudasse e os desafios práticos que era necessário resolver.
Algumas destas fichas já tinham sido experimentadas pelo José Tomás e pela Palmira, ou por mim, no ano anterior, ou até há mais tempo. Mas a grande maioria foi elaborada por esta equipa, a partir de muitas ideias com origem externa, transformadas e/ou acrescentadas pelas ideias dos membros da equipa.
As fichas mais interessantes precisaram de vários plenários para serem concluídas, ficando um membro da equipa com a responsabilidade, entre os plenários da equipa, de fazer e refazer as propostas a debater. Quando o conteúdo de uma ficha se tornava consensual, o mesmo ou outro membro da equipa ficava com a responsabilidade de a digitalizar).
Se houve fichas cuja elaboração foi longa (frequentemente incluindo a análise matemática do respectivo tema e, quando era o caso, a experimentação do respectivo material manipulável), também houve fichas rapidamente elaboradas e ainda uma ou outra que um dos professores trouxe e os outros se limitaram a adoptar.
A utilização ou não destas fichas de trabalho, e o modo concreto de as utilizar nas aulas, ficou sempre submetido à decisão de cada um dos professores.

Um exemplo de tema não estritamente lectivo envolvido na preparação destes plenários foi a proposta, redigida em Dezembro de 1990, destinada a iniciar, na “1ª reunião de Março”, o debate sobre os “princípios que caracterizam o nosso trabalho”. A proposta lembrava o documento fundador do AlterMATivas, redigido pelo José Tomás, e sugeria a leitura dos livros de Volker Hole ( «Como Ensinar Matemática no Básico e no Secundário») e de Philip Davis e Reuben Hersh («A Experiência Matemática»), dos artigos de Leonor Moreira e Henrique Guimarães («Situações de Aprendizagem da Matemática - Uma Reflexão Teórica») e da NCSM («A Matemática essencial para o século XXI») e ainda a leitura de um documento da APM conhecido, entre os sócios, por Documento de Vila Nova de Milfontes («Renovação do Currículo de Matemática»). Sugeria-se que tal viesse a apoiar o debate sobre as seguintes questões:
(a) “das três dialécticas referidas na «Reflexão Teórica», a da «acção», a da «formulação» e a da «validação», aquela que mais tem a ver com o nosso trabalho é a «dialéctica da acção»? e as outras duas como e quando surgem? de que modo nos distinguimos do processo clássico de ensino-aprendizagem?
(b) “se os alunos devem construir o seu saber, como responderemos nós à crítica que Karl Popper dirige à educação actual (definida por ele como um conjunto de respostas dirigidas a nenhuma pergunta)?
(c) “sendo esta experiência assumida dentro dos antigos programas com conhecimento dos novos currículos (e de muitas outras ideias interessantes), o que podemos e o que nos propomos modificar como resultado dessa interacção?

O trabalho nas turmas começou com um «Inquérito» dirigido aos alunos. O José Tomás e a Rita elaboraram duas versões, cada professor aplicou a que achou mais adequada e as respostas serviram para se trabalhar em Estatística com os alunos (uma ideia vinda do MAT789).
Depois veio o trabalho sobre o «Conjunto N», tema longamente explorado, com muitas fichas a permitir aos alunos começar a usar as calculadoras e a realizar trabalho experimental, gerando uma enorme e prolongada participação (fichas «Com 4 Quatros» e «O rendimento máximo»), o que para alguns, por vontade própria, prosseguia em casa.
Foi também por esta altura que foi distribuída (em todas as escolas?) a «Declaração dos Direitos do Aluno de Matemática», elaborada pelos membros do GREM dez anos antes, e que ajudou a reforçar o clima de confiança na sala de aula. Uma das minhas alunas, a Dulcelina, decidiu acrescentar-lhe os seguintes direitos: “não interromper a aula quando o professor explica uma matéria”; “fazer perguntas sobre a matéria”; “dizer que não percebi a matéria”; “ajudar o parceiro num problema”; “estar atenta na aula”. E resumiu assim a sua visão sobre a aprendizagem desta disciplina: “A matemática são números a correr mas quando chega o dia do teste é um grande quebra cabeças”.

Não me recordo quando nem como surgiu a ideia de candidatarmos o AlterMATivas ao financiamento proporcionado pelo 3º Concurso Nacional de Projectos «Educar Inovando / Inovar Educando», promovido pela Instituto de Inovação Educacional. Mas está documentado que o plenário em que lemos e aprovámos o texto da candidatura ocorreu em Abril de 1991, depois de terem sido realizados alguns debates sobre isso em plenários anteriores (tendo um deles provavelmente terá sido a «reunião de Março», para a abordagem das questões propostas em Dezembro).
Para a candidatura, designámos o projecto como “AlterMATivas - Alternativas no ensino-aprendizagem da Matemática” e definimos assim o “problema de partida” e as “hipóteses gerais a testar”:
a) O processo de ensino-aprendizagem da Matemática está, actualmente, centrado sobre a aula. Decorre da experiência dos autores que esta é limitada pela rigidez dos espaços temporal (duração e horário) e físico, pela presença de um elevado número de alunos que não têm nem momentos de concentração coincidentes nem ritmos e formas de aprendizagem iguais e pela existência de um programa anual condutor das actividades, tanto mais ultrapassado quanto se está em vésperas da sua substituição.
b) É convicção da equipa proponente do Projecto que a existência de materiais estruturados pode apoiar as heterogeneidades de ritmo e de forma de aprendizagem dos alunos (ao mesmo tempo que constituem um desafio à construção do seu próprio saber) e que o facto de esses materiais serem produzidos pelos professores pode favorecer, da parte destes, uma atitude interventiva na transição dos velhos para os novos programas.
A metodologia de trabalho que a equipa considerou estar e dever continuar a seguir era a “investigação-acção” e assumiu-se que deveríamos prosseguir a ideia inicial de acompanhar os mesmos alunos do 7º ao 9º ano (portanto, o projecto deveria prosseguir por mais dois anos).
Foram enviadas, em anexo, cópias das fichas já elaboradas, ficando explícito que continuaríamos não só a produzir como também a melhorar os “materiais” necessários para “cada tema” do 3º Ciclo (“fichas de trabalho, software, materiais manipulativos”), incluindo nessa melhoria as “variantes adequadas” a cada escola.
Um pouco antes das férias de Verão soubemos da aprovação da nossa candidatura. E soubemos que o projecto seria financiado com 500 contos.

Os principais descritores do projecto

A equipa

Logo no início do primeiro ano do projecto a Cristina Fonseca juntou-se à equipa; e alguns meses depois a Ana Paula Natal decidiu dela deixar de fazer parte, para, segundo nos disse, poder “trabalhar à sua maneira” (manteve-se em interacção com o Núcleo da APM).
No final do primeiro ano também a Lídia Lourenço e a Palmira Barroso deixaram de pertencer à equipa, a primeira por tido ido leccionar na Faculdade de Ciências e Tecnologia (Monte da Caparica) e a segundo por ter começado a leccionar, em exclusivo, o Secundário.
No segundo e terceiro anos, a Margarida Barral, inicialmente colega da Cristina Fonseca, também se juntou à equipa. E no terceiro ano a Filomena Teles e a Rita Vieira não tiveram turmas envolvidas no projecto, mantendo-se, no entanto, a ele activamente ligadas).

Ao longo dos três anos, as turmas envolvidas no projecto, por escola e por professor, foram as seguintes (a seta 
indica quantas turmas tiveram continuidade de um ano para o seguinte):

Notas a este quadro:
(a) Segundo a Filomena, todo o 7º ano da sua escola, no total de 8 turmas, esteve sob influência do AlterMATivas (três formandos, cada um com 1 turma, mais a Cristina Neto com 4 turmas); os formandos usaram todas as fichas sobre N, Z e Q, nada mais lhes tendo acrescentado, mas tenderam a inverter a ordem metodológica, apresentando primeiro a teoria, usando depois as fichas como aplicação.
(b) Segundo a Rita, algumas das fichas do AlterMATivas foram usadas em diversas turmas da sua escola, sobretudo os «Gráficos de alguns fenómenos».
(c) Segundo o José Tomás, as fichas e os materiais do AlterMATivas foram esporadicamente usados na sua escola.

De acordo com este quadro, no primeiro ano do projecto oito professores leccionaram 15 turmas do 7º; que, no segundo ano, seis professores leccionaram 4 turmas do 7º e 11 do 8º; e que, no terceiro ano, quatro professores leccionaram um número indefinido de turmas do 7º e do 8º e 2 do 9º.

Foi registado que, do primeiro para o segundo ano, a continuidade pedagógica abrangeu 125 alunos; e que do segundo para o terceiro ano apenas abrangeu 11 alunos (aliás, os únicos com continuidade pedagógica ao longo dos três anos em todas as escolas). As escolas, ou também os próprios professores envolvidos, não cuidaram adequadamente dessa continuidade.

Fica assim claro que, de ano para ano, a diversidade de desafios aumentou e o número de professores a leccionar diminuiu. Mas também se sabe que a frequência dos plenários da equipa pouco ou nada decresceu: continuou a ser cerca de um por semana.
Para compreender a complexidade dos envolvimentos da equipa é ainda necessário acrescentar às preocupações específicas do projecto as que surgiram, durante o seu segundo ano, com um grupo de trabalho criado para apoiar os colegas do 2º e do 3º Ciclo de Almada e Seixal que se estavam a iniciar no leccionamento dos programas da chamada Reforma de Roberto Carneiro. A equipa não foi consensual quanto ao modo de prestar este apoio, mas ele foi, de facto, prestado. Através de um «Grupo de Trabalho do 5º e do 7º anos» foram organizadas, ao longo de 1991-92, nove sessões abertas a quem nelas quisesse participar (total: 30 horas), tendo nelas sido apresentadas ideias sobre a didáctica (incluindo as fichas de trabalho já elaboradas) e sobre o uso das calculadoras (a sua utilização tinha começado a ser recomendada) e promovido o debate sobre as primeiras experimentações dos temas curriculares nas diversas escolas.
Participaram em pelo menos uma dessas sessões 76 os professores, de 25 escolas do 2º e do 3º Ciclos; 25 estavam especialmente interessados no 5º ano, 44 no 7º e os outros 7 não tinham, nesse ano lectivo, ligação a estes níveis de ensino. O número médio de sessões em que estes professores participaram situou-se entre as 2 e as 3 (para uns terá sido um contacto pontual; e para outros um contacto duradouro).

Os materiais

As fichas de trabalho foram o eixo que permitiu aos membros da equipa do AlterMATivas estabelecer uma base pedagógica comum, mantendo cada professor uma interpretação própria sobre a respectiva concretização.
Das 63 fichas que foram recenseadas apenas 2 não terão sido debatidas nas sessões plenárias da equipa. E mais de metade foi produzida durante o primeiro ano do projecto, cabendo ao último ano uma produção residual:


Mais notável do que este desequilíbrio entre os três anos foi o desequilíbrio entre os que estiveram envolvidos nas propostas iniciais das fichas: dos nove professores que leccionaram no âmbito deste projecto, um não esteve envolvido na proposta de qualquer ficha, dois em apenas 1 ficha, um em 2 fichas, um em 3 fichas, um em 4 fichas, um em 5 fichas, um em 9 fichas e um último em 43 fichas.

A maioria destas propostas eram primeiro redigidas (e por vezes desenhadas) à mão, fotocopiadas e distribuídas aos restantes membros da equipa, para debate nas sessões plenárias, onde, após maior ou menor transformação, eram aprovadas.
Depois, a digitalização esteve sobretudo a cargo de quatro dos professores Nota 8. Usava-se uma das versões do First Publisher disponibilizada pelo Projecto Minerva, gravava-se em disquetes e imprimia-se para cada um dos membros da equipa e para arquivo. Por fim, quem decidia lecionar com o apoio de uma determinada ficha encarregava-se de a fotocopiar para os seus alunos na respectiva escola.
A grande maioria das propostas de fichas inspirou-se em livros e artigos de divulgação, e também em manuais escolares, e foi frequente uma ficha resultar de diversas destas inspirações, mas também dos contributos mais ou menos transformadores de dois ou mais dos membros da equipa (as várias ideias eramm articuladas num conceito único). Talvez apenas uma dúzia das fichas (cerca de 20 %) tenha dispensado totalmente (ou quase totalmente) essa inspiração externa.
Esta aparente dependência em relação ao exterior pode ser interpretada como um sinal de «autonomia», ou seja, como a capacidade de procurar recursos para as suas próprias produções. Isso foi visível, por exemplo, no modo como a equipa transformou a ficha «Esta Carola não pára!», recebida  como “jogo”, em “actividade”, tendo-lhe ainda acrescentado um “prolongamento «para casa»”. E foi ainda mais claro nas indicações, escritas na altura, para que as fichas destinadas à «resolução de problemas» se abrissem à «colocação de problemas» pelos alunos.

Nalguns casos as fichas não foram a única ferramenta envolvida, como aconteceu quando foram utilizadas calculadoras, jogos e materiais manipuláveis. Algumas notas escritas, muito esquematicamente, na altura, lembram como se procurou articular a «produção central» destas outras ferramentas com a sua «produção local» Nota 9:
HEX DA MULTIPLICAÇÃO e HEX DA DIVISÃO: “centralmente, produção de um tabuleiro de papel com as regras; localmente, reprodução e protecção dos tabuleiros (p. ex., plastificando) e produção (p. ex., em vinil) ou aquisição de peças, em nº suficiente para pelo menos uma turma”; “é necessário meter umas tantas cópias dentro de capas de plástico transparente e fabricar peças de duas cores em número suficiente, ou usar grão e feijão, ou ...
JOGO DO ZERO: “centralmente, produção das regras e de um exemplar em papel das cartas; localmente, reprodução, corte e protecção das cartas, em nº suficiente para pelo menos uma turma”;
GEOPLANOS: “em grupo, elaboração das regras de construção; centralmente, aquisição de madeiras cortadas, pregos e elásticos; localmente, construção, com ou sem ajuda dos alunos, em nº suficiente para pelo menos uma turma”;
BILÁTEROS ARTICULADOS (um material criado sem qualquer inspiração exterior, para abordar a «desigualdade triangular»): “em grupo, concepção do material; centralmente, produção de protótipos e de regras de construção e aquisição de matéria prima para a construção; em grupo, construção para cada Escola, em nº suficiente para pelo menos uma turma”.


O AlterMATivas teve interacções nada negligenciáveis com o projecto MATlab, iniciado em 1991-92, também com financiamento do Instituto de Inovação Educacional. Isso deveu-se ao facto de todos os autores do AlterMATivas também serem proponentes do MATlab, tendo neste projecto plena oportunidade para concretizar as suas convicções sobre a importância pedagógica dos espaços extracurriculares.
Essas interacções não se basearam nos «jogos» (excepto muito pontualmente), mas sim nas ideias associadas a um conceito que o MATlab ressuscitou, o «Laboratório de Matemática». Foi disso exemplo a série elaborada na Nº 1 do Seixal sob a designação «Desafios Matemáticos», que tanto entrou algumas aulas («Cálculo de P»), como as prolongou (voluntariamente) pelos tempos livres dos alunos («Com 4 Quatros», «O rendimento máximo»), como ainda foi a base de trabalho extracurricular do Grupo de Investigação em Matemática («Tira de Möbius»), o qual funcionou, aberto a todos os alunos do 3º Ciclo naquela mesma escola, em 1992-93.

Cada um das fichas elaboradas no âmbito do AlterMATivas (ou do MATlab) pode ser encarada como uma «ferramenta» que incorporava não uma didáctica estrita, mas  uma nuvem de potencialidades didácticas, em torno de uma ideia central, sem impor qualquer delas. Uma das facetas dessa «ideia central» foi a aposta de alguns membros da equipa para que “a teoria surgirá como o culminar de várias experiências dos alunos”; mas, mais geralmente, pode-se dizer que aquilo que uniu as variantes pedagógicas que terão sido escolhidas pelos diversos membros da equipa foi « a acção dos alunos, a reflexão apoiada nessa acção e a coordenação pelo professor».
No entanto cada ficha também deverias ter em conta a ordem pela qual era utilizada, como não se verificou com os formandos da Filomena, que interpretaram conservadoramente essa ordem, apresentando primeiro a teoria e usando depois as fichas como oportunidade para a sua aplicação.

Muitas das fichas de trabalho produzidas pela equipa do AlterMATivas foram sendo divulgadas, ao longo dos três anos em que este projecto foi implementado, a colegas de escola, do Núcleo e da APM, e ainda a outros, ou por iniciativa de cada membro da equipa, ou no contexto de diversos intervenções de divulgação do projecto Nota 10.

As didácticas

A forma como cada ficha de trabalho (e os seus eventuais materiais auxiliares) foi usada como suporte para a interacção entre um professor e os seus alunos dependeu, portanto, de quem nela esteve envolvido, dentro da plataforma pedagógica que havia sido consensualizada pela equipa.
Consultando as fichas produzidas e os comentários feitos durante a sua elaboração e utilização, apresento a seguir (por ordem alfabética) alguns exemplos do modo como eu as vi:

Abstração (contacto com exemplos concretos, preparatórios da conceptualização e da simbolização): «Positivos, Zero e ... Negativos!»; «Multiplicação em Z»; «Adição de polinómios»; «Multiplicação de polinómios»; «Factorização de polinómios»;
Algoritmização (participação na construção de um algoritmo): «Regras e Algoritmos na Resolução de Equações do 1º Grau»;
Aplicação (ou sob a forma de um problema, ou utilizando um conceito já aprendido): «Jogo do Zero»; «Múltiplos e divisores»; «Aplicações: múltiplos, divisores, mmc e mdc»; «Aplicações do menor múltiplo comum»; «Variedades em Q»; «Jogo das isometrias»; «Aplicações do Teorema de Pitágoras»;
Cálculo (com máquina): «Estudo da raíz quadrada de 2»; «Em Q, ... em R»; «Do Universo ao Átomo»:
Classificação (através: de fluxograma, de diagrama de Ven, de tabela): «Equações do 1º grau»: «Triângulos»; «Polígonos»; «A linguagem da Matemática»; «Casos notáveis da multiplicação»;
Conjecturação (formulação de uma hipótese): «Tabela da adição»; «Tabela da multiplicação»; «Padrões / Múltiplos»; «Adição em Q+»; «Multiplicação em Q+»; «Variedades em Q»; «Teorema de Pitágoras no geoplano»;
Construção (com o Tangram): «Construção de polígonos»; «Polígonos semelhantes»; «Uma demonstração do Teorema de Pitágoras»;
Demonstração (entre o informal e o minimamente formal): «Operações elementares» (quebra-cabeças); «Pares e ímpares na adição»; «Uma demonstração do Teorema de Pitágoras»; «Propriedades das operações com potências de expoente em N»;
Descrição (através: de gráficos, de tabelas, da estatística): «Inquérito»; «Positivos, Zero e ... Negativos!»; «Q+: representação e ordenação»;
Desenho (em papel; no geoplano): «Elementos de Geometria»; «Polígonos»; «Polígonos semelhantes»; «Perímetros e áreas de alguns polígonos»; «Composições e partições»; «Uma demonstração do Teorema de Pitágoras»;
Estimativa (associada quer ao cálculo, quer às medidas): as duas «Carolas»; os dois «Hex»»; «Procurando a pontuação máxima»; «Elementos de Geometria»;
Experimentação (por vezes assumindo a forma de um desafio; de modo a conhecer algoritmos, a optimizar resultados, etc.): «O crivo de Eratóstenes»; «Algoritmos: mmc, mdc e outros»; «O rendimento máximo»;
Generalização (transição dos casos particulares para o caso geral): «Elementos de Geometria»;
Globalização (contacto inicial com o caso geral antes de abordar casos particulares): começar pelos polígonos antes de trabalhar com os triângulos;
Interdisciplinarização (pontes: com temas de outras disciplinas; com o quotidiano): «Positivos, Zero e ... Negativos!» (Economia; Física; Geografia; História); «Regras e Algoritmos na Resolução de Equações do 1º Grau» (Biologia; Electrotecnia; Física); «Elementos de Geometria» (Geografia); «Gráficos de alguns Fenómenos» (Economia; Física; Geografia; História; desporto, quotidiano); «A linguagem da Matemática» (História); «Lei do anulamento do produto» (Física); «Do Universo ao Átomo» (Astronomia; Física);
Intradisciplinarização (pontes entre temas matemáticos): «Elementos de Geometria» (Estatística); «Gráficos de alguns Fenómenos» (Geometria; Metrologia); «Gráficos de alguns Fenómenos» (Álgebra);
Medição (uso: de uma régua, de uma fita métrica, de um transferidor): «Elementos de Geometria»; «Uma demonstração do Teorema de Pitágoras»; «Em Q, ... em R»;
Modelização (quando à experimentação e conjecturação se seguiu a formulação de uma lei): «Gráficos de alguns fenómenos»;
Observação (da realidade, para a descrição / matematização; das ferramentas matemáticas, para a sua compreensão): «Não confundas + com x!»;
Refutação (preparação para o rigor da demonstração): «Números primos».


A reacção dos alunos à utilização de fichas de trabalho e de materiais manipuláveis foi, maioritariamente, boa.
Para alguns terá sido claro que se tratava de algo inédito (ainda o 1º período do 7º ano estava a decorrer e um aluno comentou, ao constatar que havia chegado mais uma ficha, que a sua turma estava a ser alvo de “mimos”).
As primeiras actividades do 7º ano foram, aliás, bastante motivadoras, porque experimentais e sem pressa de «avançar na matéria»: isso notou-se no enorme sucesso colectivo da pesquisa para a composição de números naturais através de operações envolvendo quatro quatros; e, pouco depois, do sucesso de «O rendimento máximo».
Aqui e acolá surgiram alunos que, individualmente, em casa, melhoraram aspectos de uma ficha (em Cacilhas, um corrigiu a posição da capital dinamarquesa no mapa que figura logo na primeira página dos «Elementos de geometria»).
Mas a reacção qualitativamente mais interessante terá sido a de alguns alunos que (talvez tendo já falado antes, entre si) se dirigiram ao seu professor para reclamar, com alguma veemência, “menos perguntas” nas fichas, para que eles tivessem oportunidade de colocar as suas.

Numa das escolas do projecto foram feitos dois inquéritos destinados a conhecer a opinião dos alunos sobre a forma de trabalhar, o primeiro no final de 1990-91 (recolhendo 47 respostas de alunos do 7º ano) e o segundo no final de 1991-92 (recolhendo, conforme os itens, de 62 a 68 respostas de alunos do 8º ano, a maioria participantes no primeiro inquérito). Em qualquer deles solicitava-se a valoração da forma de trabalhar nas aulas, desde o «1» a mais fraca) ao «5» (a mais forte):

1º inquérito (as «modas» estão destacadas a azul; e, caso iguais ou superiores a 50 %, a amarelo):


Da valoração «1» para a valoração «5», cresce a preferência dos alunos pelo «trabalho de grupo», pelo «diálogo entre a turma e o professor» e pelos «jogos».
O «trabalho em casa» e os «testes» quase não têm uma valoração preferencial.
O «livro escolar» tem uma valoração assimétrica, para o negativo, em torno da moda «3».
E o «trabalho individual», as «idas ao quadro», as «fichas de trabalho» e a «avaliação por outros meios» têm uma valoração assimétrica, para o positivo, em torno da moda ou «3» ou «4».

2º inquérito (as «modas» da «realidade» estão destacadas a azul; e os casos em que o «ideal» supera a «realidade» estão a vermelho):


Segundo estes alunos, deveriam ter sido mais utilizados a «régua, a fita métrica» e o «transferidor» e realizadas mais «pesquisas» e mais «trabalho de grupo» fora da aula (todos estes casos têm moda «3»).
A utilização do «geoplano e das «fichas de trabalho» (modas «4»), da «calculadora» (moda «5») e da «resolução de problemas (moda «3 / 4 / 5») deveria ter sido um pouco maior, embora alguns alunos considerassem que deveria ter sido menor.
E a «utilização do livro escolar» (moda «1 / 2») deveria ter sido bastante maior (o manual escolar tinha sido adquirido pelos alunos e o professor destas turmas não solicitou muito o seu uso).

Foi também inquirido se o o «número de perguntas» incluídas nas fichas de trabalho seria ou não adequado. E as respostas foram:
- nº adequado                                                                           43 %
- deveria haver mais, para conduzir o trabalho                         9 %
- deveria haver menos, para os alunos colocarem as suas       25 %
- há casos com excesso, e outros com carência                       24 %.

O sucesso

Só existe uma visão conjunta do sucesso escolar obtido com o projecto AlterMATivas no que respeita ao seu  primeiro ano, 1990-91, ou seja, anteriormente aos dois anos financiados pelo Instituto de Inovação Educacional.
No final desse ano, numa das reuniões da equipa, foi feito um apanhado dos resultados escolares dos 272 alunos do 7º ano que compunham 10 das turmas envolvidas no projecto e que tinham sido avaliados no final do 3º período. 241 haviam transitaram para o 8º ano e 227 tinham tido positiva a Matemática, independentemente de terem ou não transitado.
Portanto, o sucesso escolar (para que o projecto apenas contribuía, pois também dependia de outros professores) foi de 89 %: e o sucesso em Matemática foi 83 % (valores arredondados à unidade mais próxima).
Não foram feitos recenseamentos semelhantes nos finais de 1991-92 e de 1992-93.

Não foram acima considerados os casos dos alunos que abandonaram os estudos, pois a obrigatoriedade de frequência do 3º Ciclo só foi sendo iniciada à medida que a Reforma de Roberto Carneiro se generalizou ao 7º, ao 8º e ao 9º anos, tendo o AlterMATivas ocorrido de um para outro destes níveis sempre nos anos lectivos imediatamente anteriores a essa generalização.


Notas finais à Iª parte:

Nota 1: o MAT789 deu origem à tese de doutoramento de Paulo Abrantes (defendida em 1994; publicada em 1995)

Nota 2: o Movimento de Escola Moderna possui um corpo próprio de saberes e valores; além deles, existem ainda outros contributos, dispersos, muitos deles (sobretudo os mais recentes) sujeitos a hegemonização pelos saberes e valores académicos; faltam a todos estes contributos a circulação e o debate abertos a todos os professores do ensino não superior

Nota 3: o último «Inflexão», o nono, foi publicado em Setembro de 1986

Nota 4: «Dez anos de Encontro». Lisboa: APM (1996; p. 2)

Nota 5: «Projecto de abordagem ao programa do 7º ano unificado». Este documento, de duas páginas, tinha ainda três anexos: propostas que estavam em discussão sobre os novos programas; artigo de Paulo Abrantes sobre a avaliação dos alunos; e um extracto do Estatuto da Carreira Docente (fotocópia da primeira página da legislação, onde estão expressos todos os artigos correspondentes aos “direitos profissionais” dos docentes: o da participação, o da formação e informação, o do apoio técnico, material e documental e o da segurança)

Nota 6: «Ensinar Matemática em Subúrbia (1989-96). Estudo de caso sobre um grupo de professores». Lisboa (1998), APM

Nota 7: estas entrevistas foram resumidas, para este blogue, nos testemunhos «050», «060» e «068»

Nota 8: é possível aceder a quase todas estas fichas de trabalho, em formato PDF, através da página «Documentos» (pasta «AlterMATivas») deste blogue

Nota 9: a dada altura do AlterMATivas procurou-se descrever a forma como era feita a elaboração colectiva das fichas de trabalho, tendo sido distinguidas as seguintes situações:
“«em grupo» - quando o trabalho foi feito (pelo menos potencialmente) por toda a equipa do Projecto, durante uma ou mais reuniões;
«centralmente» - quando o trabalho foi feito para todos por um só elemento (ou por um pequeno grupo) da equipa;
«localmente» - quando o trabalho foi feito a nível de Escola, para essa Escola, pelos Professores dessa Escola.

Nota 10: a produção das «fichas de trabalho» correspondia ao defendido, em 1981, no Nº 1 do boletim «Inflexão» (“Planeamento e organização de módulos de ensino. Elaboração de material didáctico (em especial para ser usado pelo aluno) e de documentação de apoio. [...]”) e que o AlterMATivas, desde o seu primeiro documento fundador, também defendi (“uma atitude activa do aluno na construção do seu «saber», experimentando, conjecturando, formalizando, abordando os problemas sob diferentes pontos de vista.”)

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