No texto que escrevi, algures no início de 1992-93, propondo à Escola Secundária do Seixal e ao seu Conselho Directivo que elaborássemos um Projecto Educativo [ver o testemunho «077»], incluí uma citação de Berta Macedo em que ela, após estudar empiricamente o que algumas escolas já haviam feito, o classificou, de acordo com a mobilização de actores, em três tipos:
* o projecto do «chefe» ou da «equipa», correspondente ao paradigma racional-burocrático de “organização eficaz”, no qual os factores como a negociação, a tomada de decisão e a participação não são considerados elementos fundamentais para a sua riqueza e realização;
* o projecto «adição de projectos dos grupos», correspondente a uma organização escolar descriptível como “sistema debilmente acoplado” ou como “anarquia organizada”;
* e o projecto da «organização escola», correspondente ao reconhecimento de que “é na riqueza dos actores e na sua interacção que se joga uma parte fundamental da coerência, pertinência e qualidade dos projectos”, sendo neste sentido que “elaborar um projecto de escola pode ser entendido como algo que ultrapassa a questão do domínio de um conjunto de técnicas e dispositivos sobre metodologias de projecto, para se transformar num processo de compromisso colectivo sobre a lógica ou lógicas de funcionamento da escola”.
Só em 1993-94 esta tentativa de elaborar um Projecto Educativo foi iniciada, tendo sido realizadas pelo menos três reuniões (as que tenho documentadas). As duas primeiras destinaram-se ao grupo que iniciaria o processo e a terceira foi aberta a toda a escola.
A abertura à escola pretendia mobilizar os professores mais dinâmicos, a partir dos quais outros poderiam ser depois mobilizados. Por isso ficou acordado que, ao longo do ano, esses professores iriam contactar os grupos que pensávamos vir a ter um papel na definição do projecto: a Associação de Estudantes, a Associação de Pais, os Funcionários, os grupos disciplinares, os projectos da escola, a Secção de Formação do Conselho Pedagógico, as turmas e os respectivos Directores de Turma).
Para ter uma primeira ideia sobre o resultado desta estratégia «bola de neve» é possível recorrer a uma lista de quem se envolveu (sempre voluntariamente) nestas reuniões:
O grupo inicial era constituído por dois membros de um antigo Conselho Directivo (o Louro e eu), por dois membros do Conselho Directivo em funções (o Luís Carlos e a Teresa) e pela coordenadora da Biblioteca Escolar (a Alice).
Quanto aos participantes na reunião aberta, com a excepção de dois, ou haviam sido membros de Conselhos Directivos, ou eram-no, ou viriam a sê-lo nos próximos anos. As excepções eram a Alice e a Carla.
Em 1994-95 o número de reuniões de que tenho notícia não foi muito maior (quatro) mas o número de participantes alargou-se bastante:
Comparando-os com o ano anterior, deixaram de participar nestas
reuniões a Alice Santos, a Anabela Esteves, a Carla Ferreira, a Manuela Vieira
e, por terem saído da escola (para a Câmara Municipal do Seixal), o Luís Carlos
Carvalho e a Teresa Ré (penso que foi durante este ano que ela saiu).
No total dos dois primeiros anos, houve 35 professores que participaram em pelo
menos uma das sete reuniões realizadas, tendo eu sido o único totalista,
seguido pelo João Louro e pela Madalena Ferreira, que participaram em cinco (a
Madalena apenas se iniciou no final de 1993-94).
Estes 35 participantes representariam perto de 20 % do total dos professores da
escola, o que não seria mau, desde que eles se envolvessem com entusiasmo. Mas
a média de reuniões em que cada um deles participou foi muito baixa
(ligeiramente inferior a 2 reuniões). Pelo que, apesar de a média de
participantes em cada uma das reuniões ter sido mais aceitável (cerca de 10),
nem era de esperar um trabalho continuado por parte de muitos deles, nem uma
grande interacção entre os diversos sectores da escola.
É possível ilustrar este receio com o caso dos professores que animavam os
projectos extracurriculares: dos 20 que foram referenciados na reunião de 11 de
Janeiro de 1995 [ver testemunho «086»], somente 10 participaram nos encontros
destinados à elaboração do Projecto Educativo em 1993-94 e 1994-95 (e representavam
apenas seis dos dez projectos animados por esses 20 professores).
Contrariando o desconforto que este receio justificava, houve progressos no
trabalho efectuado durante 1994-95:
* as áreas a figurar no futuro Projecto Educativo começaram a estabilizar (a
curricular; a extracurricular; a social; a administrativa; e a das
instalações);
* foram constituídos grupos de trabalho para entre o fim das aulas e o início
das férias dos professores: a Ana Chorincas, a Ana Fiel e a Rosário Leocádio elaborariam
o «inquérito» a aplicar depois das férias; a Antónia Fradinho, a Aurora Garcia
e eu pegávamos na «área escola»; a Adelaide Pereira, a Clorinda Agostinho, o
João Louro e a Naia Tricamegy analisavam as «questões pedagógicas»; e a
Alexandra Pratas, a Ana Crespo, a Madalena Ferreira, a Adelaide Duarte e a
Luísa Gracioso dedicavam-se à «escola cultural».
* e foi elaborado um calendário para o que se previa ser necessário fazer no
ano seguinte, 1995-96, que começaria por um plenário dos anteriores grupos de
trabalho, a concretizar logo no início de Setembro, antes de as aulas
recomeçarem.
E com estes progressos chegavam também os sinais da diversidade de pontos de
vista que, oportunamente, teriam de ser conciliados:
* uns pensavam que o Projecto Educativo deveria «valorizar a cultura própria»
da escola, sendo portanto necessário respondermos a perguntas como «em quê,
como escola, somos bons?»;
* outros pensavam que, se o Projecto Educativo (por exemplo) optasse pelas
«pedagogias activas», deveríamos, consequentemente, definir o «perfil do aluno»
a sair da escola, bem como o «perfil do professor» necessário ao êxito desse
trabalho;
* e havia quem pensasse ao contrário dos anteriores, defendendo que só através da
concretização do Projecto Educativo se poderia conhecer a «cultura da escola»,
e até «criar uma nova cultura», pelo que o «perfil da escola dependia dos alunos
e dos professores que nela estivessem».
Comentários
A classificação dos Projectos Educativos que a Berta Macedo elaborou era, como
qualquer outra classificação, uma forma de estabelecer diferenças que ajudassem
a perceber as forças e as fraquezas dos casos concretos.
Com base nessa classificação, que se pode então dizer do nosso primeiro
Projecto Educativo, elaborado em função da candidatura à «Escola Cultural» e exclusivamente
constituído com os contributos dos membros do Conselho Pedagógico [ver o
testemunho «030»]?
Ele nem resultou de «um chefe», nem de «uma equipa», nem de «uma aproximação
entre actores», sendo mais parecido com «uma adição de projectos». Mas essa
«adição» não tinha qualquer «alma»: mal se soube que não havíamos sido
seleccionados para a Escola Cultural, o projecto foi automaticamente esquecido.
Elaborar este Projecto Educativo foi uma tentativa para aproveitar uma
oportunidade, seguida por uma resposta oportunista.
A intenção subjacente à segunda tentativa para elaborar um Projecto Educativo,
esta que estou a descrever, apontava, claramente, para o terceiro dos tipos
descritos pela Berta Macedo, ou seja, pretendia que fosse um projecto
resultante da aproximação e da interacção entre os diversos actores escolares e
da sua consequente adopção por todos. Por isso estes foram desde cedo
identificados e o processo de elaboração mantido aberto à participação de todos,
procurando assim evitar quer a sua apropriação por grupos particulares, quer a
mera adição dos contributos dos diversos membros da comunidade.
Esta segunda tentativa também viria a falhar. Distante da anterior em cerca de
meia década, ela é uma boa fonte para perceber o que a escola evoluiu ao longo
deste espaço de tempo e, também, por ter sido uma tentativa lenta, para
perceber o que ainda lhe faltava evoluir para se poder reivindicar como
«autónoma».
Fontes:
Pedro Esteves / Arquivador de documentos analógicos ESJA Seis (Doc.s 65, 71,
87, 103, 106 e 107)
Artigo de Macedo (1994)
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