Memórias
Vários dos professores de Matemática que, em 1989-90, fundaram o Núcleo da APM
em Almada e Seixal, já tinham a experiência educativa, com os seus alunos, da
realização de concursos de problemas e da utilização de materiais manipuláveis,
de jogos de reflexão e de quebra-cabeças.
Em 1991-92 uma parte desses professores juntou-se no projecto MATlab -
LABORATÓRIOS DE MATEMÀTICA: actividades / desafios / recursos. Na
candidatura em que solicitaram o financiamento do Instituto de Inovação
Educativa (IIE), afirmaram-se convictos de que a criação nas escolas de “espaços exteriores às aulas” poderia contribuir
para que os alunos desenvolvessem “capacidades como
a cooperação, o sentido de risco, a elaboração de projectos e estratégias e a
definição de valores”, além de melhorar a sua aprendizagem da Matemática.
Para tal, propuseram-se como objectivos: “Criar e
institucionalizar em cada Escola […] um
espaço, a ser utilizado livremente pelos alunos, com condições para a
realização de actividades e para a exploração de desafios de carácter
matemático (em sentido amplo)”, que permitisse “a
interacção com as actividades curriculares” e “a
dinamização e integração de iniciativas a nível das comunidades” em que
essas escolas se inseriam [ver, sobre os dois primeiros anos deste projecto, os
testemunhos «055 e «065»].
Este projecto esteve activo até ao final de 1995-96, ou seja, durante cinco
anos, tendo obtido um segundo apoio financeiro do IIE através do InterMAT, um projecto
federador de projectos que também esteve associado ao Núcleo da APM [ver o testemunho
«079»], além de ter mobilizado, em cada uma das escolas envolvidas, outros
apoios logísticos e financeiros.
A organização do MATlab seguiu uma via mais informal que a do projecto
AlterMATivas, implementado em 1991-93, que foi um seu projecto gémeo mas centrado
no espaço curricular [ver os testemunhos «069» a «073»]: os professores que
estavam envolvidos em «clubes de matemática» e em «ludotecas» nas suas escolas,
mesmo que não tivessem sido autores deste projecto [ver cronograma incluído no
testemunho «097»], reuniam-se numa das escolas envolvidas (de início
mensalmente; depois, pouco a pouco, mais espaçadamente), tendo-o cerca de uma
dezena feito regularmente ao longo dos cinco anos; a coordenação dos trabalhos
começou por ser centralizada, passando a ser tendencialmente rotativa nos
últimos anos; e as reuniões centraram-se na formação mútua (sem qualquer
preocupação com a “formação creditada”, como por diversas vezes foi assumido), que
por vezes incluía a fabricação de jogos, de quebra-cabeças e de materiais
manipuláveis, ou a decisão da sua aquisição, além de servirem de apoio
logístico entre escolas e, sobretudo durante o 2º período de cada ano lectivo,
para a organização dos Interescolas de Jogos de Reflexão [ver os testemunhos
«067», «080», «089» e «099»].
A formação mútua destinava-se a explorar as potencialidades educativas dos
jogos reflexivos (como o Hex e o Ouri), dos quebra-cabeças (como os Labirintos,
o Soma-cubo e o Tangram) e dos materiais típicos de um Laboratório de
Matemática (como o Polydron e o Tabuleiro de Galton), sendo para tal procurados
diversos apoios bibliográficos (como nos livros de Brian Bolt e nos artigos e
livros de Miguel de Guzmán). Alguns dos tópicos repetidamente retomados nestas
explorações foram as Dobragens, a Fita de Möbius, o Jogo do Ouri, as Magias, o
Numero Pi, as Pavimentações (incluindo as de Escher e as de Penrose), as
construções com Polydrons, o Teorema de Pitágoras, o Teorema das Quatro Cores,
a Teoria dos Jogos e a Torre de Hanói.
Um objectivo que nunca foi perdido de vista no MATlab foi o da interacção entre
as actividades extracurriculares e as curriculares.
Um material inédito concebido no âmbito do AlterMATivas foi o Bilátero
Articulado. Sendo um material que podia ser facilmente utilizado em
circunstâncias lectivas, o seu estilo de uso era laboratorial, pois permitia a experimentação
e, através dos resultados desta, apoiava a correspondente demonstração. A imagem seguinte
mostra quatro exemplares deste «material manipulável» (assim são chamados os
materiais cuja configuração pode ser alterada manualmente), cada um deles com uma
combinação de lados diferente das combinações dos outros:
No livrinho que publiquei em 2003, descrevi assim como a
invenção deste material aconteceu “quando quisemos
resolver um problema de didáctica para o qual não conhecíamos qualquer
sugestão, vinda da experiência de outros professores ou de investigadores: que
actividade podem os alunos realizar de modo a concluírem que cada lado de um
triângulo não pode ser igual ou superior à soma dos outros dois lados, nem
menor ou igual à diferença entre eles?
Depois de discutirmos e rejeitarmos várias ideias
que nos surgiram, acabámos por optar por aquilo a que a certa altura chamámos
«bilátero articulado». Era formado por dois
rectângulos de cartolina, cada qual com um traço ao comprido (simulando o
respectivo lado de um triângulo), que
estavam articulados de modo a poderem
rodar e a formar qualquer ângulo entre os lados
que representavam. Após terem sido desenhados, foram cortados e plastificados
(para poderem durar mais tempo) e um dos extremos dos lados foi furado para
colocar uma peça que os mantinha unidos, mas móveis.
Nas aulas, os alunos formavam
grupos, cada grupo em volta de uma mesa (ou de duas encostadas), e todos eram
desafiados a dar exemplos das dimensões que o terceiro lado do triângulo podia
assumir e a tirar conclusões gerais. Esta estratégia implicava debate dentro de
cada grupo e, no fim, debate entre os diversos grupos, cabendo ao professor
apoiar os grupos, quando tivessem dificuldades, e moderar activamente o debate
final, até que as conclusões fossem claras, assumidas por todos e, claro,
correctas.”
Durante os cinco anos lectivos em que o MATlab esteve activo apenas dois
corresponderam a uma responsabilidade formalmente assumida, em função do
financiamento prestado pelo IIE. Nos outros três anos (e de certo modo em todos) o projecto existiu informalmente,
dada a convicção dos seus animadores nas suas potencialidades.
Ao longo destes anos o MATlab interveio publicamente com o objectivo de
divulgar a metodologia laboratorial no âmbito da Educação Matemática,
intervenções que também foram um modo de ir explicitando as preocupações e
visões dos seus autores. Várias dessas intervenções foram feitas nos Encontros Regionais
de Professores de Matemática (de Almada e Seixal). E as outras (fora destes
concelhos) foram: no ProfMAT de 1992 (em Viseu); no ProfMAT de 1993 (Açores);
no ESEMAT 94 (encontro organizado pela ESE de Lisboa, em 1994); no ProfMAT de
1994 (Leiria); e no ViseuMat4 (encontro organizado pelo Núcleo da APM em Viseu,
em 1996) [ver no testemunho «097» os títulos destas intervenções].
Um dos temas de reflexão no MATlab disse respeito aos Clubes de Matemática e às Ludotecas.
* O que seria preferível, estruturar a organização de cada escola segundo um “sistema aberto” (modelo Ludoteca), ou “fechado” (modelo Clube)?
* Como criar “desafios” que levassem “mais
longe as actividades de iniciação”, como, por exemplo, nos jogos
(começar pelo “jogo livre”, passar para o “campeonato”, terminar no “inter-escolas”)?
* Que iniciativas comuns a todas as escolas poderiam servir de regularizador
das suas diferentes opções (encontros de trabalho, publicações, torneio
inter-escolas, ...)?
* No relatório final do primeiro ano do projecto escreveu-se: “É fácil pôr os jovens a jogar, torna-se mais difícil
criar situações em que não é só «o jogo pelo jogo» (onde se percebe como se
joga e porquê, etc...); mas, mais difícil é aprender fazendo e experimentando, formular hipóteses, testá-las e
depois tirar conclusões.”
Outro dos temas de reflexão disse respeito ao conceito de Laboratório de Matemática.
* Na intervenção feita no ViseuMat4 foi associada ao Laboratório de Matemática
a necessidade de “Recursos, Espaço, Memória,
Desafios” e afirmado que os alunos, os professores e os funcionários
seriam os seus actores.
* E a distinção que aí foi feita entre Ludoteca, Clube de Matemática e
Laboratório de Matemática foi esta:
“numa LUDOTECA
(com especiais ligações à Matemática): as actividades são principalmente
«jogar» e «resolver puzzles»; a participação dos alunos é livre; e não há
forçosamente uma relação directa professor-aluno;
num CLUBE DE MATEMÁTICA: as
actividades são essencialmente «explorar» e «resolver desafios», entre o lúdico
e o estritamente matemático; a participação dos alunos é organizada e fechada;
e há uma relação directa professor-aluno;
num LABORATÓRIO DE MATEMÁTICA: as actividades
são fundamentalmente «experimentar», e de uma forma sistemática; para o que
deverá haver necessariamente uma ligação aos Recursos pedagógicos da Matemática
na Escola (Centro de Recursos), sendo naturais as ligações de trabalho quer à
Ludoteca, quer ao Clube de Matemática, se estes existirem, bem como às
actividades curriculares e outras não-curriculares da Escola, no âmbito da
Educação Matemática; o que constitui tanto um desafio novo para os Professores
desta disciplina, como um estímulo à institucionalização de novos espaços
pedagógicos nas Escolas; e forçosamente estabelece uma relação directa
professor-aluno.”
* A propósito desta intervenção, foram ainda registados dois argumentos
interessantes: “A constante criação de Matemática é
feita experimentalmente numa boa parte dos casos; só a formulação final desses
casos assume uma feição hipotético-dedutiva […]; para os jovens que aprendem Matemática, esta começa por ser apenas
experiência”; e o “jogo de reflexão”
pode “ser descrito como um combate entre sucessivas
conjecturas, até que algo é demonstrado.”
Comentários
Os três projectos interescolas que estiveram associados ao Núcleo da APM foram
axiais para o desenvolvimento de uma rede de cooperações entre os professores
de Matemática de Almada e Seixal. Entre si, eles apoiaram inovações
curriculares e extracurriculares.
O MATlab dispôs da vantagem da maior flexibilidade de objectivos e de meios, à
qual se associou um trabalho bastante informal mas convicto.
No entanto, tal como o AlterMATivas [ver o testemunho «073»], não foi capaz de
explorar as interacções com as comunidades de pertença dos alunos das escolas
envolvidas, apesar dessa intenção ter sido prevista entre os seus objectivos.
A produção e a aquisição de jogos, quebra-cabeças e materiais manipuláveis
apetrechou razoavelmente a maior parte das escolas, tendo a elaboração das
correspondentes fichas de apoio à sua exploração sido feita por poucos professores,
com uma sua parte não negligenciável originária do trabalho um tanto disperso
de vários outros; faltou a estas fichas o que foi regularmente feito no AlterMATivas,
serem experimentadas e depois analisadas em comum, e essa falta enfraqueceu os
esforços de divulgação do conceito de Laboratório de Matemática (melhor do que
a «teoria», os exemplos práticos são eloquentes).
Faltou também uma perspectivação a longo prazo dos temas e materiais a explorar
no futuro, o que pode ter gerado uma sensação de ausência de desafios que
ajudou, no final de 1996, entre outras razões de ordem externa (como as dificuldades
colocadas às escolas e pelas escolas), a não prosseguir o trabalho em comum no MATlab.
As reflexões que foram feitas foram sobretudo adequadas para «pôr as coisas a
funcionar», mas não foram suficientes para evidenciar uma ligação entre os
Laboratórios de Matemática e uma visão pedagógica que lhe servisse de suporte.
Fontes:
Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Seis (doc.s 65, 72 e 109) / Ficheiros
da Tese de Mestrado (4RXPR16, 4RXPR 21 e 4RXPR 25)
Livros e revistas analógicos: Actas de ProfMAT (1992, pp. 191-194; 1993, pp.
159-162); livro de Esteves (2023)
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