[087] E no entanto, em 1994-95, a José Afonso estava a mudar: o caso dos contactos com entidades externas

Memórias


Em meados da década de 90 os contactos com entidades exteriores não eram uma novidade para a José Afonso, mas foi por essa altura que eles começaram a deixar de ser discretos.

Durante o ano lectivo de 1994-95 aconteceu um desses contactos que, tanto quanto me recordo, não se voltou a repetir em anos posteriores: a AERSET (Associação das Empresas da Região de Setúbal) decidiu realizar, de 7 a 12 de Março, em Brejos de Azeitão, o que então designou por Feira da Formação 95.
As escolas do distrito de Setúbal foram desafiadas a participar, com os seus projectos, e, entre muitas outras, também a José Afonso lá dispôs de um espaço próprio, animado durante todas as tardes e noites da feira por grupos de alunos e de professores.
Nessa animação esteve incluída a Ludoteca, que disponibilizou diversos jogos e quebra-cabeças, tendo o «Ouri» tido um sucesso muito particular. A coordenação coube ao José Calado, na 3ª e na 4ª feira, ao Manuel Neto, na 5ª e na 6ª feira, e a mim, no fim-de-semana, com a ajuda de cerca de 30 alunos das minhas turmas.
Segundo me disseram o Calado e o Neto, os visitantes durante a semana foram, sobretudo, alunos de diversas escolas. E, de acordo com o que eu observei no fim-de-semana, foram maioritariamente os adultos a aparecer, embora passassem, olhassem mas raramente perguntassem e ainda menos experimentassem o que tinha vindo para a feira com a intenção de ser experimentado.
Na opinião de nós três, o que terá sido mais interessante na participação das escolas foi o intercâmbio de ideias entre os professores e os alunos das várias escolas envolvidas: quem expôs foi quem teve maior curiosidade acerca do que os outros expuseram.

Uma das alunas animadores do cantinho da Ludoteca, a Eurídice Pico, ao terminar a sua participação, comunicou deste modo a sua satisfação: “Nunca me diverti tanto na minha vida!

O cantinho da Física-Química da «José Afonso»

O Vítor Campos a supervisionar (rodeado pelas «máscaras»)

O cantinho da Mecanotecnia da «José Afonso»

O cantinho da Ludoteca da «José Afonso», com a Luísa Gracioso, os seus filhos e alguns alunos 



Comentários

A intuição de que aqueles que expuseram em Azeitão foram aqueles que também estiveram interessados em ver o que outros expuseram é radicalmente contrária à intenção subjacente à realização desta «Feira da Formação»: exibir ao público um suposto poder empresarial de mobilização.
Em minha opinião, o importante de qualquer feira é o contacto entre quem está pessoalmente e/ou profissionalmente envolvido no respectivo tema, pelo que é adequado perguntar se terá sido boa ideia as escolas terem aceite participar naquela feira, em vez de, organizando-se a si próprias, realizar uma feira destinada exclusivamente ao contacto entre alunos e professores em torno dos seus projectos, essa, sim, uma boa estratégia de «formação». Esta pergunta surgiu-me hoje, mas não me ocorreu na altura. E, como se verá abaixo (neste e noutros testemunhos), a alienação do controlo sobre as suas próprias iniciativas foi um problema que as escolas não identificaram a tempo de evitarem o seu enorme agravamento nas últimas três décadas.
Uma hipótese que coloco hoje é a de a identificação desse problema ter sido impossibilitada pela débil vontade de autonomia da esmagadora maioria dos professores.

Complementarmente à anterior, outra hipótese explicativa para que as escolas tenham começado a perder o controlo sobre as suas próprias iniciativas foi a vontade que muitas das entidades exteriores tiveram de serem elas a hegemonizar vastas áreas relacionadas com a educação e com as escolas. Dou a seguir alguns exemplos, que observei e anotei em 1994-96 (e que, nalguns casos, tinham raízes em anos anteriores), todos provenientes de entidades externas às escolas que dispunham de meios poderosos:
A Câmara Municipal do Seixal foi a primeira a concluir a Carta Escolar do concelho; para o fazer, inquiriu cuidadosamente os diversos actores educativos, entre eles as escolas; tratava-se, segundo o município, de um documento de “planeamento da rede escolar”, pelo que, penso, se justificava envolver os actores a quem foram solicitadas informações de “diagnóstico” na definição do que se pretendia para os próximos 10 anos (o horizonte do planeamento), desafio que não lhes foi feito. O município preferiu decidir sozinho.
A Câmara do Seixal também decidiu apoiar projectos das escolas, tendo estabelecido, unilateralmente, os temas que esses projectos poderiam ter para serem apoiados e o número de projectos a apoiar em cada escola;. Deste modo, introduziu uma distorção nas possibilidades de sobrevivência das diferentes iniciativas dos alunos e dos professores.
O Instituto de Apoio à Criança (IAC), ligado à Fundação Gulbenkian, concretizou em 1994 o 6º encontro sobre ludotecas (fazia-o de 2 em 2 anos). No Nùcleo Regional da APM (Associação de Professores de Matemática) desconhecíamos essa iniciativa, ficando a saber dela porque o IAC me contactou para conversarmos (o que aconteceu no dia 12 de Janeiro de 1994); informei o IAC sobre a Ludoteca da José Afonso, sobre as de Almada e Seixal e sobre as demais que conhecia, ligadas à APM e dispersas pelo País; e fiquei a saber que as ludotecas escolares conhecidas pelo IAC tinham um perfil de actividades diferente do reflexivo, sendo, maioritariamente, animadas por professores de línguas e de Educação Visual. Apesar desta franca troca de informações, nunca fomos convidados a participar nos encontros das ludotecas (mas também nunca fomos capazes de organizar um encontro nosso abrangendo ludotecas para além da nossa região).
Em 1994-95, o Projecto Viva a Escola (parte do Projecto Vida) teve o seu 5º ano de implementação. Segundo me pareceu pelos documentos que me chegaram, o seu tema central era, agora, o Programa de Promoção e Educação para a Saúde. Cada escola envolvida recebia anualmente 500 contos (muito mais do que cada escola envolvida nos projectos AlterMATivas e MATlab recebera do Instituto de Inovação Educacional) e os professores coordenadores dispunham de 4 horas semanais de redução de serviço lectivo, podendo candidatar-se à formação contínua na modalidade de projecto (nada de que qualquer dos professores envolvidos no AlterMATivas e no MATlab tivesse auferido). Não haveria, também aqui, uma distorção das condições necessárias à sobrevivência da diversidade de projectos das escolas?


Fontes: Pedro Esteves / Arquivador de documentos analógicos ESJA Seis (Doc.s 65, 78, 84, 85 e 86) / Álbuns de fotografias analógicas ESJA Sete (F114: 8, 12, 22 e 23) e Oito (F115: 4 e 12)

Sem comentários:

Enviar um comentário