[102] Em 1995-96: a Ludoteca, o Projecto Educativo e as eleições para o CD na Escola Secundária José Afonso

Memórias


Apesar de durante este ano lectivo eu ter estado quase sempre «fora da escola», devido ao Ano Sabático que tinha solicitado [ver testemunho«093»], regressei sempre em momentos chave, sobretudo os que relacionados com a Ludoteca e com o Laboratório de Matemática. A Dona Emília Ferreira continuava a supervisionar as actividades diárias na Ludoteca, com o apoio do José Calado e do Manuel Neto (que, na minha ausência, continuaram a produzir mais exemplares dos jogos e dos quebra-cabeças), cabendo-me a mim cuidar dos campeonatos. E a Ana Almeida e a Clorinda Agostinho coordenavam o Laboratório.


Os Campeonatos de Jogos de Reflexão disputados este ano foram o 8º de Xadrez, o 5º de Damas Clássicas, o 5º de Othelo, o 5º de Quatro em linha, o 4º de Abalone e o 1º de Ouri, não tendo sido estabelecidas, desta vez, distinção de categorias etárias.
Eis os respectivos resultados:
XADREZ (13 participantes): 1º Áureo Soares (8ºB); 2º Sara Monteiro (7ºA); 3º Olavo Sousa (8ºB);
DAMAS (8 participantes): 1º José Silvestre (9ºG); 2º João Gonçalves (8ºE); 3º Nuno Varela (7ºB);
OTHELO (6 participantes): 1º Peter Sousa (10ºB); 2º (ex aequo) Wilson Sousa (7ºC) e João Gonçalves (8ºE);
QUATRO EM LINHA (14 participantes): 1º João Álvaro Cabral (10ºB); 2º Peter Sousa (10ºB); 3º João Ricardo (8ºE);
ABALONE (6 participantes): 1º Peter Sousa (10ºB); 2º Nuno Costa (8ºD); 3º (ex aequo) Ricardo Costa (8ºD) e Ricardo Barros (10ºK);
OURI (7 participantes): 1º Nuno Varela (7ºB); 2º Peter Sousa (10ºB); 3º Wilson Sousa (7ºC).

No 3º período o Projecto Viva a Escola (coordenado pela Luísa Gracioso) começou a pagar 15 contos mensais a dois alunos de Comunicação da escola para apoiarem a Ludoteca, com a coordenação da Dona Emília.

O processo de elaboração do Projecto Educativo da Escola (PEE) prosseguiu este ano. Depois de três reuniões em 1993-94 e de quatro em 1994-95 [ver testemunho «088»] foram realizadas bastantes mais em 1995-96, tendo, finalmente, deixado de estar circunscritas à participação dos professores, abrindo-se à restante comunidade educativa.

Não consegui reconstituir diversos dos passos mais importantes que foram dados, pois devem ter ocorrido quando eu estive fora da escola.
Segundo as notas que possuo, na reunião de 7 de Setembro os professores que se reuniram para recomeçar este processo, iniciado dois anos antes, souberam que o Conselho Pedagógico criara uma «Secção do Projecto Educativo», constituída pela Antónia Fradinho, a Aurora Garcia, a Alice Santos, a Lúcia Soares, a Dulce Oliveira, a Célia Pereira, a Mª do Céu Vigário e a Adelaide Duarte; e alguns deles informaram que já tinham concluído uma proposta de inquérito a dirigir a Alunos, a Encarregados de Educação, a Funcionários e a Professores. Ainda nessa reunião, o João Louro, que apresentara um documento sobre o Projecto Educativo ao Conselho Pedagógico, resumiu-nos o que nele escrevera: o PEE “deve ter à cabeça uma reflexão sobre os órgãos de gestão”, pois “a Escola deve ser democrática, com circulação de informações, com revocabilidade das decisões, com cumprimento do que a maioria determinar”; é “preciso chegar aos alunos”; e a Escola, sendo um sistema, em que tudo depende de tudo”, se quiser ser alvo de “mudanças”, não necessita de “mudar tudo, é sim preciso mudar coisas essenciais, as quais vão provocar alterações noutras coisas” (estas citações correspondem às notas que tirei na reunião),

Outra das reuniões em que participei, ocorrida no dia 13 de Março, aconteceu a pedido de professores da vizinha Escola Básica António Augusto Louro (um desses professores era o Joaquim Sarmento), com o objectivo de trocar ideias sobre os respectivos processos de elaboração do PEE. O caminho seguido nesta outra escola assemelhava-se ao nosso no número de “debates” a que recorria, mas distinguia-se pelo facto de muitos desses debates serem com “parceiros externos”. Durante esta conversa (em que a José Afonso deveria estar a ser encarada como um parceiro externo pela Augusto Louro) falou-se em virem a ser trocadas ideias entre as “cúpulas” e entre as “bases” das escolas; e sugeriu-se a criação de um “Forum para Professores, Pais, Alunos, Funcionários, Autarquias, especialistas”. Anotei, mais tarde, apenas para mim próprio, que esse Forum poderia ser o ponto de partida para a elaboração de uma “Carta, ou Declaração das Escolas”, sobre “princípios práticos comuns que serão objectivos para todas.” Tal como muitas outras ideias, estas não passaram daquele momento de boa-vontade mútua durante uma conversa cheia de esperança.

Os documentos que possuo apontam ainda para um bom número de outras reuniões sobre o PEE ao longo deste ano, mas só me lembro de ter participado numa delas, realizada no dia 10 de Abril, sobre as “instalações” de que a escola precisava (estava-se também no início do processo que viria a culminar com as «obras na escola») e da qual foi elaborado um relatório específico para o Conselho Pedagógico.
No entanto possuo diversos documentos, que me foram entregues sempre que regressava à escola, por uns dias, e que dão uma ideia tanto da exuberância dos debates como das suas limitações.

Um desses documentos inclui as sínteses das respostas dadas ao inquérito pelos Encarregados de Educação e pelos Alunos. Tanto a uns como a outros, de todos os níveis de ensino (isto é, do 7º ao 12º ano), tinham sido distribuídos 200 inquéritos, sendo recebidas 127 respostas dos primeiros e 195 dos segundos. No entanto, o que eles disseram dificilmente poderia ser considerado como um apoio para a definição de um Projecto Educativo, talvez porque quem coordenava a sua elaboração (eu era um deles) tinha uma ideia ingénua acerca das potencialidades e das dificuldades dos processos de participação. E o mesmo comentário pode ser feito aos contributos dados pelos professores: apesar de mais pormenorizados, eles mostram como os temas abordados se vão afunilando nas pequenas questões do dia-a-dia profissional, não passando para um nível de conceptualização capaz de as agregar e de as problematizar.


Eleições para o Conselho Directivo

Perto do final do ano lectivo realizaram-se eleições para o ConselhoDirectivo para o biénio de 1996-98, tendo-se candidatado duas listas.

A Lista A, composta por Joaquina Garcia, Fernanda Pinto, Paula Viegas, Lucília Pita e José Calado, apresentou-se com a bandeira “Uma Escola para Todos, Uma Escola de Sucesso”.
Eis duas das páginas do seu folheto de candidatura:



E a Lista B, composta por Marília Branco Dias, Adelaide Duarte, Lúcia Soares, Luísa Gracioso e Teresa Morgado, não destacou qualquer bandeira.
Eis duas das páginas do seu folheto de candidatura:


Foi eleita a Lista B (não registei os resultados numéricos da eleição).


Comentários:

Olhar para este processo de elaboração do Projecto Educativo (e em particular quando ele se cruza com a eleição de um Conselho Directivo) levanta-me, hoje, algumas questões. Começo por estas duas:
Se uma comunidade educativa tem uma dinâmica cultural mais ou menos estabilizada, por que razões irá redefinir a sua orientação comum?
Dada a variedade de actores que compõem essa comunidade, e de práticas que sustentam essa dinâmica, poderá essa redefinição ser feita num período de apenas dois ou três anos e de um modo estritamente racional?


Ao longo das três décadas que decorreram desde os acontecimentos que relembrei acima nunca tinha colocado estas questões. E isso sugere-me que volte a olhar para as bases teóricas, talvez apenas ideológicas, que me tornaram naquela altura «evidente» o envolvimento na «elaboração de um Projecto Educativo».
Uma dessas bases foi as conclusões do estudo empírico de Berta Macedo que citei no testemunho «088» e que usei como argumento na minha escola: segundo ela, os Pojectos Educativos seriam de três tipos: o projecto do «chefe» ou da «equipa», correspondente ao paradigma racional-burocrático de “organização eficaz”, no qual os factores como a negociação, a tomada de decisão e a participação não são considerados elementos fundamentais para a sua riqueza e realização; o projecto «adição de projectos dos grupos», correspondente a uma organização escolar descriptível como “sistema debilmente acoplado” ou como “anarquia organizada”; e o projecto da «organização escola», correspondente ao reconhecimento de que “é na riqueza dos actores e na sua interacção que se joga uma parte fundamental da coerência, pertinência e qualidade dos projectos”, sendo neste sentido que “elaborar um projecto de escola pode ser entendido como algo que ultrapassa a questão do domínio de um conjunto de técnicas e dispositivos sobre metodologias de projecto, para se transformar num processo de compromisso colectivo sobre a lógica ou lógicas de funcionamento da escola”.
Outra das bases para o meu envolvimento na elaboração do Projecto Educativo veio do Rui Canário: no início da década de 90 ele defendeu, tal como referi no testemunho «071», que “Unir, no mesmo processo e nos mesmos actores, a produção social e a produção de sentido implica instituir estratégias de inovação baseadas numa metodologia de apropriação que exigem uma actividade de pesquisa e constituem um processo formativo. É a esta luz, de fusão num processo único das vertentes da inovação, da formação e da investigação que, a nosso ver deverá ser reequacionada a questão do processo de mudança das escolas.” Esta sua convicção agradava-me; e, implicitamente, propunha como único horizonte de acção o terceiro tipo de Projecto Educativo que a Berta Macedo identificou empiricamente, o de uma «organização escola» resultante da «riqueza» e da «interacção» dos seus actores. Este meu agrado sugere-me que acrescente uma terceira questão às duas que coloquei acima:
Porque razão me agradou esta ideia do «projecto organização escola»?

Eis a reflexão que faço sobre estas questões:

Na primeira metade dos anos 90 as dinâmicas das culturas escolares estavam, pelo menos desde há década e meia, a ser alteradas por grupos de professores que pretendiam mudar o modo tradicional como se aprendia e ensinava. É possível que na maior parte das escolas essas mudanças já estivessem mais ou menos estabilizadas. Na minha escola, por exemplo, eu e mais uns tantos professores fazíamos parte do grupo dos que tinham introduzido essas mudanças, fazendo-o de um modo não agressivo em relação aos que não as pretendiam introduzir; e, inversamente, os colegas mais tradicionais não eram agressivos connosco; gerara-se, assim, um novo equilíbrio na nossa «dinâmica cultural». No entanto, noutras escolas, como se pode perceber pelo que a Filomena Teles [ver testemunho «068»] e o José Tomás [ver testemunho «050»] me contaram, essa mudança não fora fácil e poderia não ter gerado, ainda, um «novo equilíbrio».
Com o início do processo que ficou conhecido por «Reforma de Roberto Carneiro» todos estes (des)equilíbrios culturais começaram a ser questionados a partir de fora. O Ministério da Educação apostou, entre outros instrumentos, na obrigatoriedade de as escolas elaborarem um Projecto Educativo (a Lei de Bases de 1986 já o refere), embora durante pelo menos uma década não tenha querido, ou sido capaz de, o fiscalizar. A brecha aberta entre as escolas, que redefiniam a sua «dinâmica cultural», e o Ministério da Educação, que estabelecia uma «obrigação» sem arriscar a sua «fiscalização», deu azo à «teorização» dos académicos que desejavam que as escolas construíssem as suas próprias «autonomias»: um exemplo deste entusiasmo foi o da Escola Cultural, que exigia, para que o seu apoio fosse prestado, que a escola que a ele se candidatasse já tivesse o seu Projecto Educativo aprovado [ver testemunho «030»].
Esta mistura de uma subtil pressão externa e de uma visão encantada do futuro terá sido recebida de modo diferente nas escolas. Na minha, os Conselhos Directivos nunca tiveram o perfil ou a capacidade para o primeiro tipo de projecto identificado pela Berta Macedo; por isso, a tentativa iniciada em 1993-94 de elaborar um Projecto Educativo só podia resultar ou na federação das inciativas que já estavam em curso ou na articulação transformante de todas essas iniciativas (respectivamente, a «anarquia organizada» e a «organização escola» da Berta Macedo). O facto de se terem passado três anos lectivos sem que o processo de elaboração estivesse concluído pode ser um sinal de que havia uma vontade profunda de «interagir entre todos» e de contar com a «riqueza de todos», ou seja, um sinal de que se poderia estar a caminhar para um Projecto Educativo do tipo mais interessante (que é impossível de concretizar se se escolher um processo de elaboração demasiado curto).
Mas, pelo que fui descrevendo, talvez o processo que estávamos a seguir não se tivesse afastado suficientemente de uma metodologia racional e de um desejo de eficácia. Logo em 1993-94, o João Louro percebera que a ideia de um «projecto de escola» surgira por conveniência do Ministério da Educação, que não nos queria proporcionar «autonomia» no que respeitava à «organização interna da escola», às «relações de trabalho», ao «financiamento» e à «possibilidade de estabelecer protocolos»; no entanto, considerou ele, apesar destes contras deveríamos aproveitar a «oportunidade»[testemunho «077»]. Depois, em 1995-96, ele propôs que essa «oportunidade» fosse concretizada (com base na teoria dos sistemas) através da identificação das «coisas essenciais» que era necessário mudar na escola de modo que o resto também mudasse; ou seja, não se baseava na «interacção» nem na «negociação» entre todos, mas sim na identificação (por quem?) de aspectos chaves que viessem a forçar um «novo equilíbrio» na escola.
A esta subtil corrosão da perspectiva sobre a mudança que se desejava também se começaram a juntar sinais de que muito do que havia a conversar entre todos deveria ser, simplesmente, o que já conversávamos no dia-a-dia escolar, transformando-o, pouco a pouco, em património imaterial de todos. Mas não era isso que estávamos a fazer.
E isso lembra-me as questões que os animadores do Projecto Educativo da Augusto Louro queriam abordar em cada “conversa informal” com os seus «parceiros externos»: “Qual a imagem actual que tem da escola?”; “O que gostaria de ver modificado?”; “Quais as expectativas para cidadãos em formação?”; e “Qual o contributo que a Escola pode dar para responder a essas expectativas?” Teriam estas questões proporcionado melhores conversas do que as que estávamos a ter na José Afonso, ou as dificuldades que encontraríamos teriam sido as mesmas?

Penso que as sucessivas equipas que se candidataram a Conselhos Directivos (e mais tarde a Conselhos Executivos) na José Afonso (no tempo em que estive nesta escola) foram muito diferentes umas das outras mas os seus «programas de candidatura» quase se podiam baralhar e distribuir entre todas ao acaso que cada um deles ficaria bem com a equipa a que calhasse. O que também aconteceu nos casos em que surgiram duas equipas a disputar o mesmo mandato.
Isso pode significar que, na José Afonso apenas se desenvolveu uma forma de pensar sobre o que este órgão de administração e gestão deveria ser (embora as práticas dos diversos «CDs» tenham sido profundamente diferentes).



Fontes: Pedro Esteves / Documentos digitais / Tese de Mestrado (ficheiro «4EXPR64») / Arquivador de documentos analógicos ESJA Seis (doc.s 65, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 123, 134, 135 e 139)

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