[079] O novo projecto interescolas do Nùcleo da APM em Almada e Seixal: o InterMAT

Memórias

No testemunho «067» já descrevi como, na origem do projecto InterMAT, esteve a pretensão de reforçar a já apreciável organização entre professores de Matemática que leccionavam nas escolas dos concelhos de Almada e Seixal, o que exigiria combater a pressão dispersante que se começara a exercer pelo início da obrigatoriedade da formação contínua.
Pretendia-se, assim, desenvolver uma «rede de apoios» para as intervenções curriculares e extracurriculares nas diversas escolas da região. O projecto foi assinado por 22 professores que leccionavam em 3 escolas básicas, 9 escolas secundárias e 1 escola superior. E esses professores auto-organizaram-se, inicialmente, em seis grupos de trabalho, embora depois três deles não tivessem chegado a iniciar os trabalhos, dois por terem um só membro (Dora Almeida no «11º ano» e Filomena Teles na «Resolução de Problemas») e o terceiro («3º Ciclo») por os seus membros estarem també, envolvidos num outro grupo («Extracurricular»).

Durante o percurso do projecto juntaram-se a estes professores mais alguns outros. A lista dos professores (e das respectivas escolas) que de facto participaram nos três grupos é a seguinte (estão destacados a verde os professores e as escolas que não assinaram o projecto): 

Nota: as escolas estão aqui designadas como o eram na altura

Destes três grupos, dois eram designáveis por «interescolas» e o outro, sendo exclusivamente de escola, tinha a interessante particularidade de ser «interdisciplinar».

O mais numeroso (e documentado, pois participei nele), o Grupo Extracurricular, definiu três regras para a sua auto-organização: distribuição equitativa das tarefas generalistas; rotatividade das funções específicas; e distribuição das reuniões pelas diversas escolas.

Foram organizadas sessões temáticas, de facto equivalentes a formação contínua (auto e co-organizadas), sobre jogos e quebra-cabeças (incluindo a teoria dos jogos), organização de competições, actividades de complemento curricular, Laboratório de Matemática e actividades de aprendizagem nas Ludotecas, a que se juntaram duas oficinas de materiais e mais alguns encontros para coordenação e avaliação do trabalho e, no final, para perspectivar o que queríamos fazer no ano lectivo seguinte.
As sessões temáticas decorreram em 14 de Setembro, 16 de Outubro, 13 de Novembro, 8 de Janeiro, 19 de Fevereiro, 12 de Março, 9 de Abril e 18 de Junho. E as outras reuniões em 15 de Julho (de 1992-93), em 6 de Setembro, em 29 de Janeiro e em 4 de Junho, tendo ainda havido a participação num Fórum de Projectos organizado pela Associação de Professores de Matemática (4 de Junho) e a organização do Inter-escolas de Jogos de Reflexão (que aconteceu em 7 e 8 de Maio).
Calculei (na altura) que todo este envolvimento correspondeu a 627 horas de trabalho (presencial) distribuídas por 24 professores (apenas 2 não participaram com qualquer hora), ou seja, um pouco mais de 26 horas de trabalho em média para estes professores (quatro deles contribuíam com menos de 10; e seis com mais de 40).
Entre os que animaram sessões temáticas (uma das «funções específicas») estiveram a Ana, a Catarina, a Conceição, a Fátima, a Filomena, o Gastão, a Lídia, a Patrícia, o Pedro, a Rita e a Teresa; ou seja, quase metade dos professores que participaram nessas sessões.
Paralelamente às sessões temáticas, os professores envolvidos neste grupo de trabalho organizaram arquivadores com ideias e fizeram-nos circular, ao longo do ano, pelas diversas escolas envolvidas.

Fizeram-se dois recenseamentos da situação dos espaços extracurriculares a cargo destes professores (cantinhos, ludotecas, clubes, laboratórios, ..., adiante designados por «sala»).
Em todas as escolas havia um destes espaços, quase sempre com a dimensão de uma sala de aula normal (apenas num caso era menor e noutro maior).
Por vezes essa sala era partilhada com outras actividades da escola (Biblioteca, Clube de Informática, Centro de Recursos, ...). Em cerca de metade dos casos ela dispunha de uma funcionária, estando por isso aberta a toda a escola (nos outros casos os alunos que a utilizavam eram levados por um professor).

Com a excepção de uma escola (a minha), em que o responsável pela sala era um único professor, todas as salas eram geridas por um grupo de professores, com graus de envolvimento muito diferente, quase sempre com o apoio de horas equivalentes a serviço lectivo (sempre consideradas insuficientes).
Em todas as escolas foram realizados campeonatos de escola. Mas a relação entre os alunos e os jogos era diferente (nuns casos os jogos disponíveis no dia-a-dia eram sempre os mesmos; noutros dependiam da solicitação dos alunos).
O Laboratório de Matemática só funcionou, embora esporadicamente, numa escola (a minha).
Houve escolas em que os alunos participaram intensamente na decoração da sala, na criação do logótipo, na escolha de passatempos e de problemas, no lançamento de concursos, na venda de rifas e, em geral, na definição do que fazia falta.
Foram realizados diversos concursos de problemas (individuais ou por turmas).
Nas escolas com 3º Ciclo e Secundário, foram quase exclusivamente os alunos do Básico que se interessaram pela sala; muitos deles frequentaram-na como refúgio, ou como local onde não teriam novas razões para entrar em conflito com a escola (embora por vezes entrassem em conflito uns com os outros); um aluno disse à professora responsável pela sala, referindo-se a tudo quanto estava nesta, “ah! eu adorava saber coisas!”.
Em duas destas escolas havia, além da sala, uma «Janela da Matemática».
Nalgumas escolas foram colocados jogos e quebra-cabeças na sala de professores.
Em pelo menos uma escola a Associação de Pais apoiou materialmente a compra de jogos; e houve muitos pais que gostaram da realização do Interescolas e que manifestaram o seu interesse a favor da realização das próximas edições.

Houve ainda uma outra direcção de trabalho que, tanto quanto me lembro, não terá sido assumida colectivamente por este grupo de trabalho (os meus registos confirmam-no): a tentativa de estabelecer ligações entre os professores do país interessados em investir nas actividades extracurricluares.
Foi para isso feito um anúncio no «APM informação», designando a ideia por Projecto de Intervenção Extra-Curricular:


Até ao fim do ano lectivo responderam a este desafio a Ana Braga (Básica de Capelas, S. Miguel, Açores), o António Malaquias (Básica de Ílhavo), a Fernanda Silva (Básica de Biscoitos, Terceira, Açores), a Ivete Azevedo (Secundária de Rio Tinto), a Maria do Carmo Rufino (Externato da Luz, Lisboa) e a Rosa Sousa (Básica Teixeira Lopes, Vila Nova de Gaia). E soube-se que havia outros professores interessados na Básica Delfim Santos, no Externato dos Maristas, na Secundária Fonseca Benevides e na Secundária Vitorino Nemésio (em Lisboa) e ainda na Escola Conde de Oeiras e na Secundária Nº 1 de Loures.
Que eu conheça, esta foi a única tentativa de criar uma rede entre professores e escolas como fundamento para o associativismo docente. Rede que seria sempre insuficiente, pois seriam necessárias mais redes deste tipo, ou seja, uma «rede de redes».

O Grupo da Geometria no Secundário, que se auto-intitulou «Geomat», teve como escola mais representada a Fernão Mendes Pinto. Terá sido motivação para a formação deste grupo o facto de algumas das professoras nele envolvidas não terem estudado Geometria, nem na Escola Secundária nem na Faculdade.
A Rosário coordenou o grupo; foram recolhidos alguns materiais; mas o prosseguimento do trabalho foi dificultado pela não coincidência dos tempos livres dos diversos membros do grupo. No entanto, dois anos mais tarde foi reconhecida a importância da utilização de materiais manipuláveis (como o «espaço-plano») nas aulas do 10º ano.

O Grupo da Interdisciplinaridade entre Matemática e Física-Química foi constituído por professores das duas disciplinas, todos da mesma escola, a Anselmo de Andrade; foram preparados diversos materiais com a intenção de, no 10º ano, as Funções (Matemática) serem abordadas com base em situações antes estudadas na Cinemática (Física).


Comentários

Já afirmei noutro testemunho («067») que o InterMAT era um projecto ambicioso, que a ambição se justificava e que o seu horizonte de um só ano (1993-94) não apoiava essa ambição.
Agora, após olhar para o que se passou durante a implementação deste projecto, destacaria ainda o seguinte:
* Em 1992-93, a experiência do Grupo de Trabalho para o 5º e o 7º ano mostrou que havia professores ansiosos em relação às novas orientações curriculares e que essa ansiedade se atenuou à medida que as suas aulas iam sendo dadas; isso teve como consequência que eles deixaram gradualmente de sentir a necessidade do apoio que lhes tinha sido proporcionado;
* Os dois grupos de trabalho com incidência curricular do InterMAT (Geometria e Interdisciplinaridade) estavam focados no Secundário, nível que não fizera parte dos apoios do ano anterior; possivelmente como forma de procurar eficácia naquilo que se propuseram fazer, um desses grupos limitou-se a uma só escola, mas o outro teve dificuldades com a compatibilização dos tempos livres dos seus membros;
* Em paralelo, a formação contínua começara a ser obrigatória, e o InterMAT, sendo informal, não dava resposta ao que todos os professores começavam a sentir, a necessidade de «créditos»; o projecto esteve consciente disso dessa influência negativa, mas só quando se auto-avaliou foi formulada a imprescindibilidade de transformar a formação contínua de «informal» para «formal», a concretizar no ano seguinte (1994-95);
* O trabalho do grupo extracurricular situava-se longe das angústias lectivas e os professores que o escolheram partilhavam um forte espírito de «descoberta de novos caminhos», desenvolvido entre eles nos anos anteriores; mas estavam preocupados com a escassez de horas de trabalho equivalentes a tempos lectivos, sem as quais as suas intervenções nas escolas se tornariam muito difíceis (se não impossíveis); ora por essa altura o Ministério da Educação começou a atribuir bolsas destas horas através do Viva a Escola, do PEPT (Projecto Escola para Todos) e do SIQE (não me recordo o que esta sigla representava), ou seja, começava a controlar o que os professores faziam para além das aulas (ao mesmo tempo que esperava controlá-los curricularmente através do formação contínua obrigatória);
* Apesar destas limitações, os grupos de trabalho do InterMAT foram responsáveis por metade das sessões práticas oferecidas a quem participou no Encontro Regional de Professores de Matemática realizado no final do ano lectivo;
* Tendo tudo isto em conta, não admira que, numa conversa informal entre mim, a Filomena e a Rita, por altura de nos candidatarmos ou não ao 6º Concurso de Projectos promovido pelo IIE, tenhamos estado de acordo em não haver razões fortes para voltarmos a concorrer: um de nós terá dito que “juntámos muito material nos últimos três anos e não o explorámos suficientemente; é isto o que deveremos fazer”;
* Esta ideia de «explorar o material» (e as muitas ideias) que tínhamos apontava para um trabalho de fundo, centrado num pequeno grupo e desenvolvido sistematicamente; não era compatível com o frenesim de alargarmos permanentemente os desafios a outros professores; mas nós não tínhamos uma consciência suficientemente clara da situação em que a evolução do sistema educativo nos colocara, como o provou, cerca de um ano mais tarde, a conversa sobre o futuro do Núcleo da APM (e dos seus projectos) a que já aludi (nota «49» ao testemunho «073»);
* Faltou-nos, portanto, uma visão estratégica (mas este é o problema de fundo de todos os professores, pelo que irei voltar a apreciá-lo).


Fontes: Pedro Esteves / Arquivador de documentos analógicos ESJA Seis (Doc.s 28, 31, 33, 35, 44, 56, 57, 63 e 64)

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