No testemunho «067» já descrevi como, na origem do projecto InterMAT, esteve a pretensão de reforçar a já apreciável organização entre professores de Matemática que leccionavam nas escolas dos concelhos de Almada e Seixal, o que exigiria combater a pressão dispersante que se começara a exercer pelo início da obrigatoriedade da formação contínua.
Pretendia-se, assim, desenvolver uma «rede de apoios» para as intervenções curriculares e extracurriculares nas diversas escolas da região. O projecto foi assinado por 22 professores que leccionavam em 3 escolas básicas, 9 escolas secundárias e 1 escola superior. E esses professores auto-organizaram-se, inicialmente, em seis grupos de trabalho, embora depois três deles não tivessem chegado a iniciar os trabalhos, dois por terem um só membro (Dora Almeida no «11º ano» e Filomena Teles na «Resolução de Problemas») e o terceiro («3º Ciclo») por os seus membros estarem també, envolvidos num outro grupo («Extracurricular»).
Durante o percurso do projecto juntaram-se a estes professores mais alguns outros. A lista dos professores (e das respectivas escolas) que de facto participaram nos três grupos é a seguinte (estão destacados a verde os professores e as escolas que não assinaram o projecto):
Nota: as escolas estão aqui designadas como o eram na altura |
Destes três grupos, dois eram
designáveis por «interescolas» e o outro, sendo exclusivamente de escola, tinha
a interessante particularidade de ser «interdisciplinar».
O mais numeroso (e documentado, pois participei nele), o Grupo Extracurricular, definiu três
regras para a sua auto-organização: distribuição equitativa das tarefas
generalistas; rotatividade das funções específicas; e distribuição das reuniões
pelas diversas escolas.
Foram organizadas sessões temáticas, de facto equivalentes a formação contínua
(auto e co-organizadas), sobre jogos e quebra-cabeças (incluindo a teoria dos
jogos), organização de competições, actividades de complemento curricular, Laboratório
de Matemática e actividades de aprendizagem nas Ludotecas, a que se juntaram
duas oficinas de materiais e mais alguns encontros para coordenação e avaliação
do trabalho e, no final, para perspectivar o que queríamos fazer no ano lectivo
seguinte.
As sessões temáticas decorreram em 14 de Setembro, 16 de Outubro, 13 de
Novembro, 8 de Janeiro, 19 de Fevereiro, 12 de Março, 9 de Abril e 18 de Junho.
E as outras reuniões em 15 de Julho (de 1992-93), em 6 de Setembro, em 29 de
Janeiro e em 4 de Junho, tendo ainda havido a participação num Fórum de
Projectos organizado pela Associação de Professores de Matemática (4 de Junho)
e a organização do Inter-escolas de Jogos de Reflexão (que aconteceu em 7 e 8
de Maio).
Calculei (na altura) que todo este envolvimento correspondeu a 627 horas de
trabalho (presencial) distribuídas por 24 professores (apenas 2 não
participaram com qualquer hora), ou seja, um pouco mais de 26 horas de trabalho
em média para estes professores (quatro deles contribuíam com menos de 10; e
seis com mais de 40).
Entre os que animaram sessões temáticas (uma das «funções específicas»)
estiveram a Ana, a Catarina, a Conceição, a Fátima, a Filomena, o Gastão, a
Lídia, a Patrícia, o Pedro, a Rita e a Teresa; ou seja, quase metade dos
professores que participaram nessas sessões.
Paralelamente às sessões temáticas, os professores envolvidos neste grupo de trabalho
organizaram arquivadores com ideias e fizeram-nos circular, ao longo do ano,
pelas diversas escolas envolvidas.
Fizeram-se dois recenseamentos da situação dos espaços extracurriculares a
cargo destes professores (cantinhos, ludotecas, clubes, laboratórios, ..., adiante
designados por «sala»).
Em todas as escolas havia um destes espaços, quase sempre com a dimensão de uma
sala de aula normal (apenas num caso era menor e noutro maior).
Por vezes essa sala era partilhada com outras actividades da escola
(Biblioteca, Clube de Informática, Centro de Recursos, ...). Em cerca de metade
dos casos ela dispunha de uma funcionária, estando por isso aberta a toda a
escola (nos outros casos os alunos que a utilizavam eram levados por um
professor).
Com a excepção de uma escola (a minha), em que o responsável pela sala
era um único professor, todas as salas eram geridas por um grupo de
professores, com graus de envolvimento muito diferente, quase sempre com o
apoio de horas equivalentes a serviço lectivo (sempre consideradas
insuficientes).
Em todas as escolas foram realizados campeonatos de escola. Mas a relação entre
os alunos e os jogos era diferente (nuns casos os jogos disponíveis no
dia-a-dia eram sempre os mesmos; noutros dependiam da solicitação dos alunos).
O Laboratório de Matemática só funcionou, embora esporadicamente, numa escola
(a minha).
Houve escolas em que os alunos participaram intensamente na decoração da sala, na
criação do logótipo, na escolha de passatempos e de problemas, no lançamento de
concursos, na venda de rifas e, em geral, na definição do que fazia falta.
Foram realizados diversos concursos de problemas (individuais ou por turmas).
Nas escolas com 3º Ciclo e Secundário, foram quase exclusivamente os alunos do
Básico que se interessaram pela sala; muitos deles frequentaram-na como refúgio,
ou como local onde não teriam novas razões para entrar em conflito com a escola
(embora por vezes entrassem em conflito uns com os outros); um aluno disse à
professora responsável pela sala, referindo-se a tudo quanto estava nesta, “ah! eu adorava saber coisas!”.
Em duas destas escolas havia, além da sala, uma «Janela da Matemática».
Nalgumas escolas foram colocados jogos e quebra-cabeças na sala de professores.
Em pelo menos uma escola a Associação de Pais apoiou materialmente a compra de
jogos; e houve muitos pais que gostaram da realização do Interescolas e que
manifestaram o seu interesse a favor da realização das próximas edições.
Houve ainda uma outra direcção de trabalho que, tanto quanto me lembro, não
terá sido assumida colectivamente por este grupo de trabalho (os meus registos
confirmam-no): a tentativa de estabelecer ligações entre os professores do país
interessados em investir nas actividades extracurricluares.
Foi para isso feito um anúncio no «APM informação»,
designando a ideia por Projecto de Intervenção Extra-Curricular:
Até ao fim do ano lectivo responderam a este
desafio a Ana
Braga (Básica de Capelas, S. Miguel, Açores), o António Malaquias (Básica de
Ílhavo), a Fernanda
Silva (Básica de Biscoitos, Terceira, Açores), a Ivete Azevedo
(Secundária de Rio Tinto), a Maria do Carmo Rufino (Externato da Luz,
Lisboa) e a Rosa
Sousa (Básica Teixeira Lopes, Vila Nova de Gaia). E soube-se que havia
outros professores interessados na Básica Delfim Santos, no Externato dos
Maristas, na Secundária Fonseca Benevides e na Secundária Vitorino Nemésio (em
Lisboa) e ainda na Escola Conde de Oeiras e na Secundária Nº 1 de Loures.
Que eu conheça, esta foi a única tentativa de criar uma rede entre professores
e escolas como fundamento para o associativismo docente. Rede que seria sempre
insuficiente, pois seriam necessárias mais redes deste tipo, ou seja, uma «rede
de redes».
O Grupo da
Geometria no Secundário, que se auto-intitulou «Geomat», teve como escola
mais representada a Fernão Mendes Pinto. Terá sido motivação para a formação
deste grupo o facto de algumas das professoras nele envolvidas não terem
estudado Geometria, nem na Escola Secundária nem na Faculdade.
A Rosário coordenou o grupo; foram recolhidos alguns materiais; mas o
prosseguimento do trabalho foi dificultado pela não coincidência dos tempos livres
dos diversos membros do grupo. No entanto, dois anos mais tarde foi reconhecida
a importância da utilização de materiais manipuláveis (como o «espaço-plano») nas
aulas do 10º ano.
O Grupo da
Interdisciplinaridade entre Matemática e Física-Química foi
constituído por professores das duas disciplinas, todos da mesma escola, a
Anselmo de Andrade; foram preparados diversos materiais com a intenção de, no
10º ano, as Funções (Matemática) serem abordadas com base em situações antes
estudadas na Cinemática (Física).
Comentários
Já afirmei noutro testemunho («067») que o InterMAT era um projecto ambicioso,
que a ambição se justificava e que o seu horizonte de um só ano (1993-94) não
apoiava essa ambição.
Agora, após olhar para o que se passou durante a implementação deste projecto, destacaria
ainda o seguinte:
* Em 1992-93, a experiência do Grupo de Trabalho para o 5º e o 7º ano mostrou que
havia professores ansiosos em relação às novas orientações curriculares e que
essa ansiedade se atenuou à medida que as suas aulas iam sendo dadas; isso teve
como consequência que eles deixaram gradualmente de sentir a necessidade do
apoio que lhes tinha sido proporcionado;
* Os dois grupos de trabalho com incidência curricular do InterMAT (Geometria e
Interdisciplinaridade) estavam focados no Secundário, nível que não fizera
parte dos apoios do ano anterior; possivelmente como forma de procurar eficácia
naquilo que se propuseram fazer, um desses grupos limitou-se a uma só escola,
mas o outro teve dificuldades com a compatibilização dos tempos livres dos seus
membros;
* Em paralelo, a formação contínua começara a ser obrigatória, e o InterMAT,
sendo informal, não dava resposta ao que todos os professores começavam a
sentir, a necessidade de «créditos»; o projecto esteve consciente disso dessa
influência negativa, mas só quando se auto-avaliou foi formulada a imprescindibilidade
de transformar a formação contínua de «informal» para «formal», a concretizar
no ano seguinte (1994-95);
* O trabalho do grupo extracurricular situava-se longe das angústias lectivas e
os professores que o escolheram partilhavam um forte espírito de «descoberta de
novos caminhos», desenvolvido entre eles nos anos anteriores; mas estavam
preocupados com a escassez de horas de trabalho equivalentes a tempos lectivos,
sem as quais as suas intervenções nas escolas se tornariam muito difíceis (se
não impossíveis); ora por essa altura o Ministério da Educação começou a
atribuir bolsas destas horas através do Viva a Escola, do PEPT (Projecto Escola
para Todos) e do SIQE (não me recordo o que esta sigla representava), ou seja,
começava a controlar o que os professores faziam para além das aulas (ao mesmo
tempo que esperava controlá-los curricularmente através do formação contínua
obrigatória);
* Apesar destas limitações, os grupos de trabalho do InterMAT foram
responsáveis por metade das sessões práticas oferecidas a quem participou no
Encontro Regional de Professores de Matemática realizado no final do ano
lectivo;
* Tendo tudo isto em conta, não admira que, numa conversa informal entre mim, a
Filomena e a Rita, por altura de nos candidatarmos ou não ao 6º Concurso de
Projectos promovido pelo IIE, tenhamos estado de acordo em não haver razões
fortes para voltarmos a concorrer: um de nós terá dito que “juntámos muito material nos últimos três anos e não o
explorámos suficientemente; é isto o que deveremos fazer”;
* Esta ideia de «explorar o material» (e as muitas ideias) que tínhamos
apontava para um trabalho de fundo, centrado num pequeno grupo e desenvolvido
sistematicamente; não era compatível com o frenesim de alargarmos
permanentemente os desafios a outros professores; mas nós não tínhamos uma
consciência suficientemente clara da situação em que a evolução do sistema
educativo nos colocara, como o provou, cerca de um ano mais tarde, a conversa sobre
o futuro do Núcleo da APM (e dos seus projectos) a que já aludi (nota «49» ao testemunho
«073»);
* Faltou-nos, portanto, uma visão estratégica (mas este é o problema de fundo de
todos os professores, pelo que irei voltar a apreciá-lo).
Fontes: Pedro Esteves / Arquivador de
documentos analógicos ESJA Seis (Doc.s 28, 31, 33, 35, 44, 56, 57, 63 e 64)
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