Memórias
No final de 1985-86 realizaram-se eleições para a equipa que assumiria o Conselho Directivo no biénio seguinte. Candidataram-se duas listas, e as capas dos respectivos programas de trabalho foram estas:Nunca soube as razões que levaram a que me desafiassem a participar numa das listas, pois eu mal era conhecido na escola. E também não estava à espera do surgimento de uma segunda lista, pelo que fiquei um tanto desconfortável quando me apercebi da tensão que a proximidade das eleições fez surgir na comunidade escolar.
As eleições foram realizadas em 9 de Julho de 1986, tendo os resultados sido: 54 votos na lista
A, 46 votos na lista B e 6 votos nulos ou brancos. A comunidade escolar
estava, eleitoralmente, dividida quase a meio.
Como fui um dos eleitos, o meu ano lectivo seguinte iria subdividir-se por dois
espaços: teria um novo «3º ano» na Siderurgia Nacional, com as duas turmas que
haviam concluído o «2º ano», e, sobretudo, teria de estar na Escola!
Durante o ano lectivo que acabava, 1985-86, fora fundada a Confederação Nacional das Associações de Pais
(em 7 de Dezembro), Portugal entrara na Comunidade Económica Europeia (em 1 de Janeiro) e tinha sido iniciado, em muitas
escolas, o Projecto
Minerva.
Depois, na transição para 1986-87, o iria Governo publicar os Regulamentos
dos Conselhos Pedagógicos e dos Órgãos de Apoio (em 31 de Julho) e,
já dentro do novo ano lectivo, a Lei de Bases do Sistema Educativo (em 14 de Outubro).
Esta lei (numerada como Lei nº 46/86) resultara do debate das diversas
propostas dos partidos representados na Assembleia da República e trazia uma novidade
importante: a escolaridade obrigatória passava de seis para nove anos!
De 15 de Fevereiro de 1985 a 17 de Agosto de 1987 o ministro da educação tinha
sido João de
Deus Pinheiro, primeiro no governo de Mário Soares, depois, a partir de 6
de Novembro de 1985, no de Aníbal Cavaco Silva.
Lembro-me de ter visto e ouvido este ministro na televisão. Perguntaram-lhe, a
dada altura, quem deveria tomar as grandes decisões sobre a educação. Ele, sem
hesitar, respondeu: deve ser o respectivo ministro, pois é quem possuía mais
«informação». Não gostei desta resposta.
Comentários
A minha efectivação na Escola Secundária do Seixal coincidiu com o vir residir
neste concelho. Sentindo-me aqui «para sempre» (ainda hoje cá estou), tive um
grande desejo de conhecer a «história» e os «costumes» da região envolvente
(genericamente: a península de Setúbal), tanto para me «sentir em casa», como
para me inspirar ao «interpretar o currículo». Esse desejo só muito lentamente
se foi concretizando, pois leccionar deixa muito pouco tempo disponível.
Uma das linhas de força da «Lei de Bases» que se viria a tornar especialmente
problemática dizia respeito à «formação contínua» dos professores.
Compreendia-se que ela definisse a “formação inicial” como devendo ser de “nível
superior” (artigo 30º), apesar de a sua concretização através da chamada
«profissionalização em exercício», que não atribuíra qualquer papel às
instituições de «nível superior», tivesse sido um êxito (sendo, ainda hoje,
considerada por muitos professores como «a mais interessante» de sempre).
Mas era difícil entender nesta lei que a “formação contínua” (artigo 33º)
devesse ser “assegurada predominantemente” pelas “instituições de formação
inicial” (ou seja, e de novo, as de “nível superior”), mesmo tendo em conta que
ela seria concretizada “em estreita cooperação com os estabelecimentos onde os
educadores e professores trabalham.” Este papel quase tutelar atribuído desde
cedo ao ensino de “nível superior” viria a favorecer a hierarquização dos
actores educativos e a dificultar a formação de uma «voz» representativa dos
professores do ensino não superior.
A confiança do ministro João de Deus Pinheiro nas decisões que são tomadas por
«quem dispõe de mais informação» há muito que deixou de ser aceite por aqueles
que estudam os fenómenos organizacionais: para eles, qualquer actor, seja qual
for o nível em que está numa organização, apenas dispõe de uma «racionalidade
limitada», pelo que as decisões devem ser tomadas recorrendo à interacção entre
todos os envolvidos.
Em alguns dos meus próximos testemunhos irei referir a existência de «conflitos».
Estes possuem um «papel revelador», mostrando áreas em que podem ser necessárias
«mudanças». Por isso, descrever «conflitos» não deve ser dramatizado, pelo
contrário: deve ser encarado como uma oportunidade para «pensar». Já assim comecei
a proceder, escolhendo para tal o ministro da educação.
Fontes: Pedro Esteves / Arquivador
analógico ESJA Dois (Doc. 1, Doc. 3, Doc. 6 e Doc. 27); Wikipédia (para a
identificação de quem era quem, e quando, no Governo)
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