Memórias
No início de 1991-92 a equipa do AlterMATivas
decidiu aceitar o financiamento de 500 contos que o Instituto de Inovação Educacional
(I.I.E.) lhe atribuíra (tinham sido solicitados 1600 contos).
E, argumentando com esse financiamento, decidiu propor aos Conselhos Directivos
das 5 escolas envolvidas que: o Projecto apetrechasse cada escola com o
material didáctico necessário para o funcionamento autónomo de uma turma (calculadoras,
geoplanos, jogos, quebra-cabeças, livros, etc.); cada escola pagasse as
fotocópias das fichas de trabalho a produzir pelo projecto; e incluísse este no
Plano Anual de Actividades e o acompanhasse e avaliasse através do Conselho
Pedagógico.
A proposta foi aceite pelos Conselhos Directivos, mas não houve sinais de que os
Conselhos Pedagógicos se tivessem preocupado com a sua parte.
O desafio principal que o AlterMATivas tinha para este ano era o prosseguimento
do trabalho iniciado com as turmas do ano anterior, que agora estavam no 8º ano.
Mas a equipa professores sofreu algumas alterações: saíram a Palmira Barroso
(por só ter turmas dos Complementares) e a Lídia Lourenço (por ter ido
leccionar na Faculdade de Ciências e Tecnologia) e entrou a Margarida
Barral, colega da Cristina Fonseca. Esta nova equipa tinha a seu
cargo 11 turmas, nem todas dando continuidade às do 7º ano de 1990-91 (quando
há muitos alunos que não transitam de ano as turmas sofrem recomposições; mas
quando os Conselhos Pedagógicos e Directivos não cuidam das continuidades
pedagógicas, ainda surgem outras descontinuidades lectivas).
Mas o AlterMATivas tinha ainda um outro objectivo: iniciar o trabalho com novas
turmas do 7º ano, usando o material do primeiro ano do projecto mas melhorando-o
e diversificando-o. A estes professores. Alguns dos professores que tinham as turmas
do 8º ano também tinham turmas do 7º ano e a eles juntaram-se mais alguns,
sobretudo na Escola Secundária Anselmo de Andrade, não tendo no entanto havido
entre eles um trabalho de equipa. A cooperação continuou limitada à equipa
original.
As escolas envolvidas eram agora cinco, todas Escolas Secundárias: no concelho
de Almada, a Anselmo de Andrade, a de Cacilhas e a Emídio Navarro; e no
concelho do Seixal, a Nº 1 do Laranjeiro (para onde o José Tomás se transferira)
e a Nº 1 do Seixal.
Metodologicamente, o trabalho pedagógico continuou a apoiar-se numa variedade de
actividades que solicitavam a acção dos alunos: explorações, pesquisas,
problemas e, pouco a pouco, projectos.
E, para estruturar estas diversas actividades, a equipa continuou a produzidas
fichas de trabalho e, nalguns casos, os materiais manipuláveis de que essas
fichas precisavam.
Por vezes a equipa saltava deste projecto e entrava no outro projecto em que
também estava envolvida, o MATlab, produzindo materiais que tanto podiam ser
usados nas ludotecas como podiam, pontualmente, dar uma ajuda nas aulas de
Matemática. Um exemplo deste salto foi o destas três Demonstrações do Teorema de Pitágoras
(construídas com placas de vinil na minha escola):
Cada uma destas construções destinava-se a apoiar
uma das demonstrações, sempre com o mesmo argumento, a soma das áreas dos dois quadrados
mais pequenos é igual à área do quadrado maior.
Ao argumentarmos com «áreas», que são visíveis, era muito mais convincente do
que argumentarmos com números (a2 + b2 = c2).
Além deste exemplo, vindo de um projecto gémeo do AlterMATivas, lembro-me muito
bem de três das ideias desenvolvidas este ano e que foram usadas nas aulas do
8º ano.
A primeira foi a ficha Gráficos de Alguns Fenómenos, destinada às nossas
turmas do 7º ano mas que podia ser usada para apoiar um tema particular do 8º
ano. Eis a sua primeira página:
Era composta por dezassete propostas de pesquisa de
«fenómenos» (ou naturais, ou sociais); os alunos organizavam-se me grupos e
cada um escolhia e estudava um desses fenómenos, fazendo no fim um relatório e
apresentando-o à restante turma. E como cada um desses fenómenos era
representável através de um gráfico, toda a turma passava a dispor de exemplos
de gráficos previstos no programa da Matemática, e ainda mais alguns, para que
os alunos não pensassem que a vida se limitava aos três ou quatro tipos de
evolução temporal que os especialistas curriculares acharam adequados trabalhar
no 3º Ciclo …
Uma outra ideia desenvolvida este foi a de um pequeno instrumento, a que
chamámos Bilátero
Articulado, e que servia para experimentar a «desigualdade
triangular»:
Nesta fotografia vê-se a primeira página da ficha de
trabalho respectiva, que tem, pouco visível, à direita, uma régua. E vêem-se exemplares
dos quatro tipos de «bilátero articulado» que produzimos (cada um era
constituído por duas hastes, de cartão, articuladas perto do seu vértice por uma
«atacha»).
Como um «bilátero» só tem «dois lados», falta-lhe um lado para ser um
«triângulo» (os matemáticos também lhe podiam ter chamado «trilátero»). Ora
esse terceiro lado é proporcionado pela régua que figura na ficha.
Que se deduz ao fim de algumas experiências? O terceiro lado não pode ser maior
que a soma dos dois lados do «bilátero». Mas, também, que o terceiro lado não
pode ser menor que a diferença dos dois lado do «bilátero». É isto a
«desigualdade triangular».
A terceira ideia que me lembro muito bem ter sido concretizada foi o Geoplano.
Ou melhor: a enorme quantidade de geoplanos que produzimos para garantir que
cada aluno de qualquer turma dispunha de um, só para si, para trabalhar.
Eis uma imagem de alguns:
Os dois pequenos geoplanos que estão na parte de
cima da fotografia têm 20 x 20 cm e, na minha escola, foram produzidos 30: numa
das turmas foi desenhada, a lápis, uma quadrícula, e martelados os primeiros
pregos, tendo os restantes sido pregados em casa dos alunos, ou por estes ou
pelos seus pais. Depois, com os geoplanos já prontos nas aulas, cada uma destas
plaquinhas, com a ajuda de elásticos de várias cores, serviu para «desenhar» e
estudar a vida dos polígonos (na minha escola, agora José Afonso, estas 30 pequenas
obras de arte ainda lá estão, no Laboratório de Matemática).
Nesta fotografia ainda há um geoplano dito «circular», um pouco maior que os
anteriores, e, sob os geoplanos mais pequenos, está um geoplano «triangular»
gigante, para poder ser usado pelo professor em frente de toda a turma. Os
geoplanos «circular» e «triangular» já foram fabricados de outro modo, por três
ou quatro professores, na Sala de Dinamização Cultural (ainda não havia um
Laboratório de Matemática), entre eles, lembro-me, o Ricardo Mesquita.
Mas a história deste instrumento de trabalho começou antes de as suas madeiras chegarem
às escolas: foi o José Tomás quem insistiu na sua utilização; e,
depois, fui eu e a Rita Vieira quem foi comprar, numa serralharia
situada na Cova da Piedade, para todas as escolas do projecto, a madeira,
cortada a pedido: eis um exemplo da aplicação do dinheiro recebido do I.I.E..
Os meus resultados no final do ano lectivo não foram os mais convincentes para
os objectivos do AlterMATivas. Dos 77 alunos avaliados no final do ano, só 71 %
tiveram positiva a Matemática (um ou outro deste grupo, apesar desta positiva,
não transitou de ano, devido a outras disciplinas; e alguns dos que tiveram «2»
a Matemática transitaram para o 9º ano).
Eis a distribuição dos níveis que atribuí:
Não foram recolhidos os resultados finais dos outros
professores.
Comentários
O Projecto AlterMATivas não se limitou à sua componente curricular.
As fichas de trabalho, que incorporavam o modo como se pretendia que a
Matemática fosse ensinada e aprendida, foram divulgadas a outros professores
das escolas envolvidas, e também a professores que leccionavam noutras escolas,
quer na Margem Sul, quer em Lisboa.
E, por volta do final do ano lectivo, a equipa foi desafiada a participar, em
Vila Nova de Famalicão, num Seminário sobre Novas Perspectivas de Ensino-Aprendizagem da Matemática, organizado
pela Universidade do Minho (dias 19 e 20 de Junho). E também decidiu intervir
no 2º Encontro Regional de Professores de Matemática (dias 1, 2 e 3 de Julho),
sobre que falarei em próximo testemunho).
Coube-me a mim ir ao Seminário, para o qual também foram convidados o António
Borralho (Évora) e a Leonor Cunha Leal mais o Paulo Abrantes (Lisboa).
Na minha intervenção, expliquei que o AlterMATivas resultou do “encontro de
duas dinâmicas”, a de “alguns professores interessados em inovar
pedagogicamente e activos nas suas escolas” e a do “nascente Núcleo A.P.M. dos
concelhos de Almada e Seixal”. Recenseei, como dificuldades a ultrapassar: as
limitações do “espaço-aula”; as dificuldades de respeitar os “ritmos e formas
de aprendizagem” muito diversos dos alunos; as “resistências à mudança
provenientes dos alunos, do sistema, de nós próprios”; os problemas “de tempo
nas situações de inovação”; a articulação “frequentemente conflituosa” do
manual escolar com o trabalho do professor; e o “acesso limitado” dos
professores “aos resultados da investigação sobre Educação Matemática”. E
concluí assim:
"A equipa deste Projecto está certa de que tem
sido possível fazer muito mais através do trabalho colectivo do que adicionando
os contributos dos seus membros considerados isoladamente.
Há outros grupos de professores «fazendo coisas», e também há muitos
professores que nada de novo fazem.
Como mobilizar mais professores em cada
Escola?
Como colaborar entre diferentes equipas e
entre distantes regiões?
Os autores deste Projecto têm um
acesso limitado aos resultados da investigação sobre a Educação Matemática (não
há revistas em Portugal?) e não têm outra formação específica para além da
«auto».
Que interacção entre inovação, investigação
e formação?"
Um episódio final, sem interesse à primeira vista, mas de facto com
implicações profundas: os organizadores do Seminário (Ana Paula Mourão e Leandro Almeida)
solicitaram aos diversos participantes artigos para serem publicados numa
revista dedicada às Ciências da Educação. Escrevi um, penso que não muito
interessante, enviei-o, e, na volta, a Ana Paula explicou-me que ele se deveria
também basear nalgumas «referências bibliográficas» (artigos, teses, etc.), o
que eu não tinha feito.
Mas eu não conhecia nada que me servisse (aliás, uma das minhas queixas no
Seminário dizia respeito a isso), pelo que não revi o escrito e este nada foi
publicado.
Com o passar do tempo fui percebendo que as minhas «referências» também poderiam
ser «internas» (isto é, vindas da experiência e da reflexão dos próprios
professores), não sendo necessário serem «externas» (vindas das Ciências da
Educação). Se dispusesse dessas referências vindas do interior da minha
profissão, não sei se o escrito seria ou não aceite para publicação; mas, muito
mais importante do que isso, comecei a convencer-me de que era esse o caminho
para que o0s professores se afirmassem: foi essa uma das profundas lacunas que
ficou por identificar nos encontros sobre a «identidade dos docentes» a que me
referi no testemunho «052»; e, hoje, continua a ser uma lacuna profissional
grandemente por preencher.
Fontes: Pedro Esteves / Arquivador
analógico ESJA Quatro (Doc.s 1, 53 e 94) / Álbuns de fotografias analógicas
ESJA Três (F101: 9) e Cinco (F103: 5 e 10A)