[054] O segundo ano do Projecto AlterMATivas

Memórias

No início de 1991-92 a equipa do AlterMATivas decidiu aceitar o financiamento de 500 contos que o Instituto de Inovação Educacional (I.I.E.) lhe atribuíra (tinham sido solicitados 1600 contos).
E, argumentando com esse financiamento, decidiu propor aos Conselhos Directivos das 5 escolas envolvidas que: o Projecto apetrechasse cada escola com o material didáctico necessário para o funcionamento autónomo de uma turma (calculadoras, geoplanos, jogos, quebra-cabeças, livros, etc.); cada escola pagasse as fotocópias das fichas de trabalho a produzir pelo projecto; e incluísse este no Plano Anual de Actividades e o acompanhasse e avaliasse através do Conselho Pedagógico.
A proposta foi aceite pelos Conselhos Directivos, mas não houve sinais de que os Conselhos Pedagógicos se tivessem preocupado com a sua parte.

O desafio principal que o AlterMATivas tinha para este ano era o prosseguimento do trabalho iniciado com as turmas do ano anterior, que agora estavam no 8º ano. Mas a equipa professores sofreu algumas alterações: saíram a Palmira Barroso (por só ter turmas dos Complementares) e a Lídia Lourenço (por ter ido leccionar na Faculdade de Ciências e Tecnologia) e entrou a Margarida Barral, colega da Cristina Fonseca. Esta nova equipa tinha a seu cargo 11 turmas, nem todas dando continuidade às do 7º ano de 1990-91 (quando há muitos alunos que não transitam de ano as turmas sofrem recomposições; mas quando os Conselhos Pedagógicos e Directivos não cuidam das continuidades pedagógicas, ainda surgem outras descontinuidades lectivas).
Mas o AlterMATivas tinha ainda um outro objectivo: iniciar o trabalho com novas turmas do 7º ano, usando o material do primeiro ano do projecto mas melhorando-o e diversificando-o. A estes professores. Alguns dos professores que tinham as turmas do 8º ano também tinham turmas do 7º ano e a eles juntaram-se mais alguns, sobretudo na Escola Secundária Anselmo de Andrade, não tendo no entanto havido entre eles um trabalho de equipa. A cooperação continuou limitada à equipa original.

As escolas envolvidas eram agora cinco, todas Escolas Secundárias: no concelho de Almada, a Anselmo de Andrade, a de Cacilhas e a Emídio Navarro; e no concelho do Seixal, a Nº 1 do Laranjeiro (para onde o José Tomás se transferira) e a Nº 1 do Seixal.

Metodologicamente, o trabalho pedagógico continuou a apoiar-se numa variedade de actividades que solicitavam a acção dos alunos: explorações, pesquisas, problemas e, pouco a pouco, projectos.
E, para estruturar estas diversas actividades, a equipa continuou a produzidas fichas de trabalho e, nalguns casos, os materiais manipuláveis de que essas fichas precisavam.
Por vezes a equipa saltava deste projecto e entrava no outro projecto em que também estava envolvida, o MATlab, produzindo materiais que tanto podiam ser usados nas ludotecas como podiam, pontualmente, dar uma ajuda nas aulas de Matemática. Um exemplo deste salto foi o destas três Demonstrações do Teorema de Pitágoras (construídas com placas de vinil na minha escola):


Cada uma destas construções destinava-se a apoiar uma das demonstrações, sempre com o mesmo argumento, a soma das áreas dos dois quadrados mais pequenos é igual à área do quadrado maior.
Ao argumentarmos com «áreas», que são visíveis, era muito mais convincente do que argumentarmos com números (a2 + b2 = c2).

Além deste exemplo, vindo de um projecto gémeo do AlterMATivas, lembro-me muito bem de três das ideias desenvolvidas este ano e que foram usadas nas aulas do 8º ano.
A primeira foi a ficha Gráficos de Alguns Fenómenos, destinada às nossas turmas do 7º ano mas que podia ser usada para apoiar um tema particular do 8º ano. Eis a sua primeira página:


Era composta por dezassete propostas de pesquisa de «fenómenos» (ou naturais, ou sociais); os alunos organizavam-se me grupos e cada um escolhia e estudava um desses fenómenos, fazendo no fim um relatório e apresentando-o à restante turma. E como cada um desses fenómenos era representável através de um gráfico, toda a turma passava a dispor de exemplos de gráficos previstos no programa da Matemática, e ainda mais alguns, para que os alunos não pensassem que a vida se limitava aos três ou quatro tipos de evolução temporal que os especialistas curriculares acharam adequados trabalhar no 3º Ciclo …

Uma outra ideia desenvolvida este foi a de um pequeno instrumento, a que chamámos Bilátero Articulado, e que servia para experimentar a «desigualdade triangular»:


Nesta fotografia vê-se a primeira página da ficha de trabalho respectiva, que tem, pouco visível, à direita, uma régua. E vêem-se exemplares dos quatro tipos de «bilátero articulado» que produzimos (cada um era constituído por duas hastes, de cartão, articuladas perto do seu vértice por uma «atacha»).

Como um «bilátero» só tem «dois lados», falta-lhe um lado para ser um «triângulo» (os matemáticos também lhe podiam ter chamado «trilátero»). Ora esse terceiro lado é proporcionado pela régua que figura na ficha.
Que se deduz ao fim de algumas experiências? O terceiro lado não pode ser maior que a soma dos dois lados do «bilátero». Mas, também, que o terceiro lado não pode ser menor que a diferença dos dois lado do «bilátero». É isto a «desigualdade triangular».

A terceira ideia que me lembro muito bem ter sido concretizada foi o Geoplano. Ou melhor: a enorme quantidade de geoplanos que produzimos para garantir que cada aluno de qualquer turma dispunha de um, só para si, para trabalhar.
Eis uma imagem de alguns:


Os dois pequenos geoplanos que estão na parte de cima da fotografia têm 20 x 20 cm e, na minha escola, foram produzidos 30: numa das turmas foi desenhada, a lápis, uma quadrícula, e martelados os primeiros pregos, tendo os restantes sido pregados em casa dos alunos, ou por estes ou pelos seus pais. Depois, com os geoplanos já prontos nas aulas, cada uma destas plaquinhas, com a ajuda de elásticos de várias cores, serviu para «desenhar» e estudar a vida dos polígonos (na minha escola, agora José Afonso, estas 30 pequenas obras de arte ainda lá estão, no Laboratório de Matemática).
Nesta fotografia ainda há um geoplano dito «circular», um pouco maior que os anteriores, e, sob os geoplanos mais pequenos, está um geoplano «triangular» gigante, para poder ser usado pelo professor em frente de toda a turma. Os geoplanos «circular» e «triangular» já foram fabricados de outro modo, por três ou quatro professores, na Sala de Dinamização Cultural (ainda não havia um Laboratório de Matemática), entre eles, lembro-me, o Ricardo Mesquita.
Mas a história deste instrumento de trabalho começou antes de as suas madeiras chegarem às escolas: foi o José Tomás quem insistiu na sua utilização; e, depois, fui eu e a Rita Vieira quem foi comprar, numa serralharia situada na Cova da Piedade, para todas as escolas do projecto, a madeira, cortada a pedido: eis um exemplo da aplicação do dinheiro recebido do I.I.E..

Os meus resultados no final do ano lectivo não foram os mais convincentes para os objectivos do AlterMATivas. Dos 77 alunos avaliados no final do ano, só 71 % tiveram positiva a Matemática (um ou outro deste grupo, apesar desta positiva, não transitou de ano, devido a outras disciplinas; e alguns dos que tiveram «2» a Matemática transitaram para o 9º ano).
Eis a distribuição dos níveis que atribuí:


Não foram recolhidos os resultados finais dos outros professores.

Comentários

O Projecto AlterMATivas não se limitou à sua componente curricular.
As fichas de trabalho, que incorporavam o modo como se pretendia que a Matemática fosse ensinada e aprendida, foram divulgadas a outros professores das escolas envolvidas, e também a professores que leccionavam noutras escolas, quer na Margem Sul, quer em Lisboa.
E, por volta do final do ano lectivo, a equipa foi desafiada a participar, em Vila Nova de Famalicão, num Seminário sobre Novas Perspectivas de Ensino-Aprendizagem da Matemática, organizado pela Universidade do Minho (dias 19 e 20 de Junho). E também decidiu intervir no 2º Encontro Regional de Professores de Matemática (dias 1, 2 e 3 de Julho), sobre que falarei em próximo testemunho).

Coube-me a mim ir ao Seminário, para o qual também foram convidados o António Borralho (Évora) e a Leonor Cunha Leal mais o Paulo Abrantes (Lisboa).
Na minha intervenção, expliquei que o AlterMATivas resultou do “encontro de duas dinâmicas”, a de “alguns professores interessados em inovar pedagogicamente e activos nas suas escolas” e a do “nascente Núcleo A.P.M. dos concelhos de Almada e Seixal”. Recenseei, como dificuldades a ultrapassar: as limitações do “espaço-aula”; as dificuldades de respeitar os “ritmos e formas de aprendizagem” muito diversos dos alunos; as “resistências à mudança provenientes dos alunos, do sistema, de nós próprios”; os problemas “de tempo nas situações de inovação”; a articulação “frequentemente conflituosa” do manual escolar com o trabalho do professor; e o “acesso limitado” dos professores “aos resultados da investigação sobre Educação Matemática”. E concluí assim:

"A equipa deste Projecto está certa de que tem sido possível fazer muito mais através do trabalho colectivo do que adicionando os contributos dos seus membros considerados isoladamente.
Há outros grupos de professores «fazendo coisas», e também há muitos professores que nada de novo fazem.

Como mobilizar mais professores em cada Escola?
Como colaborar entre diferentes equipas e entre distantes regiões?

Os autores deste Projecto têm um acesso limitado aos resultados da investigação sobre a Educação Matemática (não há revistas em Portugal?) e não têm outra formação específica para além da «auto».

Que interacção entre inovação, investigação e formação?"

 Um episódio final, sem interesse à primeira vista, mas de facto com implicações profundas: os organizadores do Seminário (Ana Paula Mourão e Leandro Almeida) solicitaram aos diversos participantes artigos para serem publicados numa revista dedicada às Ciências da Educação. Escrevi um, penso que não muito interessante, enviei-o, e, na volta, a Ana Paula explicou-me que ele se deveria também basear nalgumas «referências bibliográficas» (artigos, teses, etc.), o que eu não tinha feito.

Mas eu não conhecia nada que me servisse (aliás, uma das minhas queixas no Seminário dizia respeito a isso), pelo que não revi o escrito e este nada foi publicado.
Com o passar do tempo fui percebendo que as minhas «referências» também poderiam ser «internas» (isto é, vindas da experiência e da reflexão dos próprios professores), não sendo necessário serem «externas» (vindas das Ciências da Educação). Se dispusesse dessas referências vindas do interior da minha profissão, não sei se o escrito seria ou não aceite para publicação; mas, muito mais importante do que isso, comecei a convencer-me de que era esse o caminho para que o0s professores se afirmassem: foi essa uma das profundas lacunas que ficou por identificar nos encontros sobre a «identidade dos docentes» a que me referi no testemunho «052»; e, hoje, continua a ser uma lacuna profissional grandemente por preencher.

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Quatro (Doc.s 1, 53 e 94) / Álbuns de fotografias analógicas ESJA Três (F101: 9) e Cinco (F103: 5 e 10A)

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