[052] Alguns desafios que se colocavam aos professores no ano lectivo de 1991-92

Memórias

Em 1991-92, a Reforma da Educação que estava em preparação desde que fora aprovada a Lei de Bases do Sistema Educativo [ver testemunho «006»] foi generalizada ao 1º ano de escolaridade.
Pouco depois do início deste ano lectivo, no dia 31 Outubro 1991, o Ministro da Educação que iniciara e coordenara este processo reformista, Roberto Carneiro, foi substituído por um outro, Diamantino Durão, que pouco tempo esteve no cargo: em 19 Março 1992 deu lugar a António Couto dos Santos, que se manteve no seu posto até à entrada do ano lectivo seguinte.

Para os professores, além do primeiro passo que anunciava a chegada da reforma da educação, estavam a surgir outros desafios.

Em 1990, fora fundada a Sociedade Portuguesa da Ciências de Educação, uma “associação científica, técnica e profissional”. Apesar de dizer respeito a outros profissionais da educação, ela mostrava aos professores que era possível um associativismo que não os dividisse por disciplinas. E talvez por essa razão, em 1991, diversas associações de docentes decidiram combater a sua dispersão criando o Secretariado Inter-Associações de Professores, uma “plataforma de entendimento de várias associações nacionais de professores de natureza científico-pedagógica”.

As próprias características da profissão docente estavam a ser interrogadas: no final de Maio de 1991, o Instituto Irene Lisboa, a Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação e a FENPROF (a maior federação sindical dos docentes) organizaram, no Porto, um seminário sobre a Identidade Profissional dos Professores. Possuo duas notícias sobre este seminário, uma do jornal «Público», outra do «Jornal da FENPROF». Eis a da federação sindical (que, além da notícia, incluíu uma entrevista):


O que mais me admira nestas notícias é o facto de apenas citarem as opiniões de «cientistas da educação», incluindo a FENPROF, co-organizara do seminário. Não terão sido convidados professores para dar a sua opinião sobre a «identidade» da sua profissão?!

Comentários

O facto de serem «observadores externos» a falar sobre a «identidade profissional dos professores» não lhe retira o interesse: é sempre importante dispor da ajuda de alguém que faça o papel de «nosso espelho», mesmo sabendo que é preciso ter em conta a distorção que qualquer espelho provoca ao transformar uma «realidade» em «imagem».
Portanto, de entre os contributos destes «observadores externos» destaco duas questões que lhes subjazem:
Deverão os professores ser «profissionais da globalidade» ou ser «especialistas» com «horizontes largos»?
A construção de uma «identidade» deverá ser feita «a partir de dentro» (da profissão), ou «a partir de fora» (políticos, sindicatos), ou «a partir de dentro» mas também influenciando (politicamente) quem tem o «poder exterior»?

E ainda acrescento dois outros contributos, talvez consensuais: a «identidade dos professores» só se pode construir em torno de um «código deontológico»; e as condições de trabalho dos docentes não eram favoráveis a essa construção, pois remetiam os professores para uma «atitude defensiva».

Curiosamente, quando foram dados exemplos de «construção a partir de fora» apenas foram referidos os «políticos» e os «sindicatos», mas não os «cientistas» (grupo que se estava a pronunciar e, sabendo-o ou não, a tentar de servir de «espelho» aos professores). Este foi mais um sinal de que havia um potencial de ruptura entre «professores» e «cientistas».

Esta parece ter também sido a preocupação de António Nóvoa, ao escrever, igualmente em 1991, que as futuras características profissionais docentes iriam depender do modo como, por um lado, fossem estabelecidos os «saberes» de referência dos professores, existindo uma tensão entre a sua transmissão e a sua produção; e, por outro, iriam depender do modo como fossem definidas as «normas» e os «valores» da cultura profissional, tais como as condições de acesso, de progressão, de avaliação, etc.. Pelo que, advertiu, se “os próprios professores não se investirem neste projecto é evidente que outras instâncias (Estado, Universidades, etc.) ocuparão o território deixado livre”.

Fontes:
Wikipédia (para os ministros da Educação); Nóvoa (livro analógico, 1991; pp. 17-28)
Pedro Esteves / Arquivador Tese de Mestrado (Doc.s 2 e 3) / Livro analógico, 2023; ponto «03»)

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