[016] O Conselho de Turma do «10º 11»

Memórias

Desde que foi fundada, em 1986, a Associação de Professores de Matemática (APM) organizou, anualmente, um encontro nacional de professores, a que chamou ProfMat.
Foi no segundo desses encontros, o de 1987, que a Leonor Moreira e o Henrique Guimarães apresentaram um esquema de “situações de aprendizagem” da Matemática baseado nas “três dialécticas” de Brousseau: a “dialéctica da acção”, a “dialéctica da formulação” e a “dialéctica da validação”.
Apesar de não ter participado nos dois ProfMat já realizados (só comecei a fazê-lo no início dos anos 90), eu tinha adquirido as respectivas Actas. E gostara da sistematização feita pela Leonor e pelo Henrique, pelo que decidi confrontá-la com a minha própria estratégia didáctica, experimentada no estágio (em Portimão, 1983-85) e na Siderurgia (1985-87). Desse confronto saiu uma espécie de conjugação de contributos, que registei nos meus planeamentos lectivos através do seguinte esquema:


Portanto, em 1987-88, este era o centro do meu trabalho com a única turma que tinha, o 10º ano Técnico-Profissional de Manutenção Mecânica.

Como esta turma tinha sido designada como «10º 11», deduzo que fora numerada como a última turma do 10º ano (ou uma das últimas), depois de todas as outras turmas que não eram técnico-profissionais (o 10º 1, o 10º 2, o 10º 3, etc.).

Até ao fim de Março de 1988 anotei, sete reuniões do Conselho de Turma do 10º 11.

Na primeira (10 de Outubro), os professores realizaram uma visita às oficinas da escola, trocaram promessas de interdisciplinaridade (que depois se limitaram à troca de informações sobre alguns dos programas) e elaboraram uma lista de possíveis visitas de estudo.

Na segunda (7 de Novembro), falaram na necessidade de fotocópias (para compensar a falta de manuais escolares nalgumas disciplinas) e nos critérios de avaliação dos alunos a propor ao Conselho Pedagógico.

Na terceira (19 de Novembro), alguns professores referiram que não resultara a experiência de incluir num teste sumativo uma pergunta já saída no teste diagnóstico e, quase todos, queixaram-se sobre a “apatia” da turma.

Na quarta (5 de Dezembro), o coordenador do curso informou os outros professores sobre uma reunião com os pais dos alunos (na qual só apareceram dois) e sobre a chegada de financiamento para o curso; e, todos, acordaram que a faixa de notas a atribuir no final do 1º período teria o «7» como mínimo e o «15» como máximo.

Na quinta (de que não registei a data), foi feita a avaliação dos alunos.

Na sexta (11 de Fevereiro), as queixas sobre a baixa de rendimento dos alunos (e também dos professores, em parte atribuídas às diversas interrupções de aulas, inclusive para o «Dia D») foram equilibradas pelo reconhecimento de diversos progressos individuais; foi dada a informação de que conseguira uma segunda hora semanal para Informática e que as respectivas aulas decorriam na sala do Projecto Minerva, dispondo cada aluno de um PC; a professora de Educação Física disse que esta era a sua única turma em que os alunos não interrompiam os jogos quando começava a escurecer ou a chover; no entanto, alguém afirmou que estes alunos “não se interessam pelo «saber fazer», mas pelo «fazer»”; e os professores de formação geral afirmaram que os programas por eles leccionados eram inadequados e que, nalgumas das suas disciplinas, as condições pedagógicas (espaço, material) eram inadequadas.

E na sétima (2 de Março), a última que tenho anotada, e na qual participaram os 9 alunos que sobreviveram à desistência de dois dos seus colegas, estes perguntaram porque havia cerca de 80 % de negativas em duas das disciplinas (uma de formação geral e outra de formação tecnológica); e os professores, além de considerações ligadas às disciplinas que leccionavam, procuraram motivar os alunos com estes argumentos: eles precisavam de “querer” e de ”ter ambição”; além do “fazer”, tinham de procurar a “melhor maneira de o fazer” e entender os “porquês”; para eles, o curso era um bom acesso ao “mundo do trabalho” e a “profissões muito bem remuneradas”.

Tal como as outras turmas, também os alunos do 10º 11 elegeram os seus Delegado e Subdelegado; primeiro foram o Basílio Zagalo e o Nelson Loures; e, mais tarde, foram o Nelson Loures e o Luís Marques. Não me recordo do papel que tiveram.

O pouco que sei dos resultados que os professores desta turma obtiveram está exemplificado nesta ficha sobre um dos nossos alunos, que eu fui preenchendo ao longo do ano lectivo:

A minha ficha sobre um dos alunos:



Do conjunto destas fichas, concluí que, dos 11 alunos, 3 terminaram sem qualquer reprovação e 2, entre o início e meados do 2º período, anularam a matrícula. Os restantes 6 tiveram algumas reprovações: a Inglês (2), a Física-Química (6), a Electrotecnia (3), a Filosofia (1) e à componente técnico-profissional (3).

Comentários

Pouco depois do 25 de Abril, e até ao início dos anos 90, o Ensino Secundário era designado por ”Complementar”, por não ser obrigatório.

O esquema didáctico que eu usava não era nada prático. Mas, no início de cada ano lectivo, quando planeava o que iria fazer, este e outros esquemas ajudavam-me a pensar e a interiorizar as grandes preocupações que, no dia-a-dia da docência, precisava de mobilizar de forma mais ou menos espontânea. Por um lado, estes esquemas incorporavam as minhas preferências de trabalho; e, por outro, como no caso do esquema para 1987-88, colocavam essas preferências em diálogo com contributos vindos das chamadas Ciências de Educação, contributos que eu achara poderem trazer-me uma visão mais alargada do que estava a fazer.
Fui rapidamente perdendo esta necessidade de esquematizar o meu modus operandi, pois ele começou a estar suficientemente enraizado na minha acção. E as minhas preocupações também estavam a mudar, nomeadamente devido à ausência de materiais didácticos que ligassem a aprendizagem da Matemática à vivência do Mundo.

Pode ter sido uma má ideia numerar as turmas técnico-profissionais depois das turmas normais: isso sugeria uma certa secundarização destes cursos. O que (mais ou menos frequentemente?) era reforçado pela numeração, como primeiras turmas de cada ano, daquelas que tinham grupos de alunos mais prometedores.

Os professores do Conselho de Turma do 10º 11 esforçaram-se, inequivocamente, por pensar nos problemas que dificultavam a aprendizagem dos alunos. Vale a pena, agora, à distância de três décadas e meia, comentar esse esforço? Acho que sim, pelas seguintes e por muitas outras razões:
(a) O que então dissemos não terá sido a primeira vez que foi dito e lembro-me de ter participado em várias repetições posteriores dos mesmos diagnósticos e das mesmas estratégias;
(b) Faltou, sempre, a este e a muitos outros Conselhos de Turma, encontrar espaços fora das reuniões para aprofundar as origens dos problemas que detectávamos e para apreciar as soluções que tínhamos adoptado;
(c) Nas escolas, há diferentes visões sobre a educação, pelo que é necessário quem coordene as conversas, quer nos Conselhos de Turma, quer noutros espaços; os Directores de Turma devem ser dessas pessoas, pelo que é de enorme importância a sua escolha, nunca a fazer pela conveniência do preenchimento de horários;
(d) Uma das estratégias que os professores deveriam apreciar em espaços próprios é a da interdisciplinaridade, pois ela dificilmente passa da troca de informações muito esquemáticas sobre os programas leccionados por alguns;
(e) Outra estratégia que seria ainda mais importante debater, igualmente em espaços próprios, é a forma de articulação entre as aprendizagens dedutivas (da teoria para a prática) e as aprendizagens indutivas (da prática para a teoria).

Na 6ª reunião do Conselho de Turma do 10º 11, vários professores se queixaram de não estarem a dar o seu melhor, e eu fui um deles, chegando até a dizer que estava com uma “dedicação decrescente”. Que razões teria para isso?
O meu trabalho no Conselho Directivo obrigou-me a um certo número de faltas às aulas: serviço oficial (assinatura do Protocolo do Projecto Minerva, em 30 de Setembro); Conselho Administrativo (em 18 de Novembro); SASE (em 3 de Dezembro, 14 de Janeiro e 28 de Janeiro); Grupo de Trabalho sobre a Reforma do Sistema Educativo, penso que para preparar o «Dia D», de que falarei noutro testemunho (em 3 e 4 de Fevereiro).
Para além destas, só dei mais duas outras faltas: uma para formação contínua (Jornadas Pedagógicas da S.P.G.L., em 28 de Abril); outra para meu usufruto pessoal (artigo 4º, em 1 de Dezembro, quando dei uma saltada a Sevilha, onde Karpov e Kasparov se defrontavam pata o título mundial do Xadrez).
Terão estas faltas algo a ver com o fim das minhas anotações aos Conselhos de Turma do 10º 11 após a reunião de 2 de Março?

Fosse por que razão fosse, dei 109 aulas a esta turma.

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Um (Doc 122, Doc. 123; Doc. 124)

Sem comentários:

Enviar um comentário