077] Em 1993-94: novas ideias a abrir caminho na «José Afonso»

Memórias


A Área Escola foi uma das novidades introduzidas pela reforma curricular, pelo que, em 1992-93, todas as turmas do 7º ano da «José Afonso» estiveram nela envolvidas. O tema geral então escolhido foi «Seixal – Passado, Presente e Futuro».
Em 1993-94 a reforma chegou também ao 8º e ao 10º ano, alargando a mais de metade das turmas da escola o empenhamento nesta nova área curricular. Desta vez o tema geral adoptado foi «As Viagens».
As minhas turmas optaram pela «Viagem ao mundo da marginalidade» (8º C), pelos «Riscos e mistérios do desconhecido» (8º D) e pelo «Turismo» (8º G). Tal como nestas, entre as vinte e sete outras turmas envolvidas nesta aventura curricular não faltou diversidade temática:
* as viagens das oito turmas do 7º ano tiveram como destino o «desporto», o «espaço», a «Europa» (“com a Escola na mochila”), a «nossa terra», o «passado» (numa outra turma os «Descobrimentos»), a «terra dos nossos pais» e, numa última, fosse para onde fosse a viagem o transporte usado seria o «comboio»;
* as viagens das sete turmas do 8º ano (que não as minhas) visaram a «História» (noutra turma foi especificada a «História de Portugal»), o «mundo dos adolescentes», a «Serra da Arrábida» e, nas restantes, a viagem deveria ser «à descoberta», «marítima» ou sobre «turismo e excursões»;
* e as doze turmas do 10º ano escolheram viajar ao «mundo da adolescência», ao «mundo do álcool», ao «mundo da área escola», ao «mundo da arte», ao «mundo do crime», ao «mundo da droga», ao «mundo dos sentidos», ao «mundo da SIDA», ao «mundo do trabalho», ao «passado da escola», ao «Portugal nocturno» ou, numa delas, preferiram fazê-lo através de um «intercâmbio cultural com uma escola da Madeira».
Para quem estuda ou reflecte sobre a adolescência, todos estes temas têm imenso significado!

A síntese do conjunto dos trabalhos realizados, feita no final do ano lectivo, tanto elucidou potencialidades desta área curricular como dificuldades na sua implementação:



Os projectos da escola activos neste ano foram considerados como integrantes do Viva a Escola (ou Projecto Vida), uma iniciativa do Ministério da Educação: o Arisco (dinamizado pelo Carlos e pela Elvira), o Ateliê de Expressão Plástica (Armando Pina), o Ateliê Textil (Maria do Céu Machado), o Clube Escolar de Ciência (Barros), o Desporto Escolar, o projecto Dos Desafios ao Laboratório e a Sala de Jogos (Pedro Esteves), o Grupo Coral (Elsa Mendes), a Mediateca, o Nova Maré, a Rádio SOS e a TV3D (Alice Santos e Sérgio Contreras), o Meteor (Paula Viegas e Vítor Campos), as Notícias via Modem (Luísa Gracioso) e o Teatro (inicialmente só animado por alunos).

Depois de, uns anos antes, o Conselho Pedagógico ter esboçado um primeiro Projecto Educativo de Escola em função da nossa candidatura à «Escola Cultural» (ver testemunho «030»), e de não lhe ter dado qualquer continuidade após a candidatura ter fracassado, propus ao Conselho Directivo, algures no início de 1992-93, que iniciássemos um novo processo de elaboração do PEE, agora de uma forma mais participada e, portanto, mais aberta. O Luís Carlos Carvalho respondeu-me que já tinha tido pensado nisso mas que se esquecera de o apresentar ao Conselho Pedagógico; mas, acrescentou, achava bem que fosse constituído um grupo de trabalho com esse objectivo.
O grupo só começou a trabalhar no 1º período de 1993-94, constituído primeiro pela Alice Santos, o João Louro, o Luís Carlos, o Pedro Esteves e a Teresa Ré, tendo reunido nos dias 14 e 29 de Novembro e apresentado à escola um primeiro documento onde abriram o grupo a quem nele quisesse participar. A primeira das reuniões abertas ocorreu no dia 2 de Fevereiro de 1994 e foi participada por onze professores: Alice Santos, Ana Chorincas, Anabela Esteves, Carla Ferreira, João Louro, Luísa Gracioso, Madalena Ferreira, Manuela Vieira, Pedro Esteves, Rosário Leocádio e Teresa Ré.
O Louro afirmou que a ideia de um «projecto de escola» surgira por conveniência do Ministério da Educação, que não nos proporcionava «autonomia» no que respeitava à «organização interna da escola», às «relações de trabalho», ao «financiamento» e à «possibilidade de estabelecer protocolos»; mas considerou que, apesar destes contras, deveríamos aproveitar a «oportunidade». Eu referi diversos desequilíbrios existentes na escola, a ser por nós pensados. E acordámos ir estabelecendo, ao longo do ano, contactos, bem distribuídos entre nós, com os grupos que pensávamos vir a ter um papel na definição do projecto: a Associação de Estudantes, a Associação de Pais, os Funcionários, o0s grupos disciplinares, os projectos da escola, a Secção de Formação do Conselho Pedagógico, as turmas e os respectivos Directores de Turma).

Numa reunião sindical realizada na escola no dia 26 de Maio, com a presença do coordenador do Centro de Formação de Associação de Escolas Rui Grácio, o Joaquim Sarmento, propus que a estratégia de formação contínua de professores tivesse em conta que a formação “com base em cursos afasta os professores da Escola e não os estimula a criar controlos sobre a sua profissão (e assim fragiliza-os)”; que a formação “baseada em Projectos pode resolver os anteriores problemas”; e que a formação “não conduz sempre a creditação”, pois se assim fosse empobreceria as nossas “aprendizagens”; etc..

Perto do final do 3º período houve eleições para o Conselho Directivo. Eis o folheto com o programa da Lista A (a única a concorrer), constituída pela Madalena Ferreira, pelo Armando Pina, pela Anabela Esteves, pela Isabel Silva e pela Elsa Mendes (dado este folheto ser para dobrar a meio, as suas páginas são, da esquerda para a direita e de cima para baixo: 4 – 1 – 2 – 3):




Em 11 de Julho, já muito perto do final deste ano lectivo, um arquitecto do Ministério da Educação reuniu com professores da escola para uma troca de impressões sobre as futuras instalações. Escrevi nas minhas notas que, para quem trabalhava na escola, só deveria ficar de pé o Pavilão C, sendo todas as outras construções para deitar abaixo; e acrescentei que não tinha ficado esclarecido o modo como se iria prosseguir a troca de opiniões entre as duas partes.
Ao almoço, com a Manuela Vieira, a Teresa Ré, a Maria do Céu e o João Fernandes, talvez por estarmos frustrados com a reunião, combinámos uma estratégia divertida para o desenvolvimento de um modelo para as futuras instalações, cabendo a cada um de nós separar alguma coisa: o curricular do não-curricular (a meu cargo); o Centro de Recursos do resto da escola (Manuela); as humanidades e artes das ciências e tecnologias (Teresa); a utopia da realidade (Maria do Céu); o curso unificado dos cursos complementares (que ficou sem responsável lúdico).

Prosseguindo a ideia surgida e implementada nos anos anteriores, também este ano, durante Julho e parte de Agosto, realizou-se na escola ou a partir dela a Ocupação em Férias, animada por quatro professores e pelas técnicas do Serviço de Psicologia e Orientação. As seguintes áreas escolhidas foram: desporto; passeios; artesanato; jogos; e hortofloricultura.

Fizeram parte do desporto quatro sessões de canoagem.
Entre os destinos dos passeios, estiveram o Jardim Zoológico, um Museu em Lisboa e a Praia de Tróia.
E os jogos decorreram na Ludoteca da escola. Sobre estes, anotei que os alunos adoptaram espontaneamente princípios como a “liberdade” (ninguém foi pressionado a jogar o mesmo jogo que os outros jogavam), a “cooperação” (o mais importante era manter a boa disposição, sem a preocupação de ganhar) e a “persistência” (cada jogo podia ser prolongado para além do momento de vitória de um, para que os outros pudessem explorar os recursos de que dispunham).


Comentários

A Área Escola foi um prolongamento da Escola Cultural, mas, enquanto esta era voluntária, a Área Escola era obrigatória (para as turmas, não para todos os seus professores). Quase dez anos mais tarde, a Área de Projecto manteve a obrigatoriedade para as turmas e restringiu-a a um só professor.
Todas estas experiências permitiram que algumas das questões originadas nos alunos fossem formuladas, e portanto tidas em conta no desenvolvimento curricular.
De notar que os temas escolhidos em 1993-94 por algumas turmas foram prosseguidos no ano seguinte.
No balanço referido acima ficou explícita, no 10º ano, a pressão negativa exercida pela avaliação escolar (através das «provas globais»); parece também evidente que alguns dos temas estariam especialmente ligados a uma só disciplina; e, ainda, não se notaram nesses temas ligações às actividades extracurriculares promovidas pela escola.

O João Louro tinha toda a razão quanto ao PEE ser uma ideia cuja concretização interessava ao Ministério da Educação e que exigiria uma «autonomia» da escola que não nos tinha sido concedida. E também tinha razão em considerar que, apesar disso, deveríamos  aproveitar a «oportunidade»: é que a «autonomia» deve ser afirmada e reclamada por aqueles que desejam ser «autónomos», e não concedida por alguém com poder para o fazer.

A direcção em que o Centro de Formação Rui Grácio trabalhou nos anos seguintes correspondeu aos desejos formulados na reunião sindical, o que pode não ter acontecido noutros Centros de Formação de Associação de Escolas do país.

O Ministério da Educação foi experimentando várias tipologias de instalações nas escolas, e cada uma foi utilizada numa determinada época, facilitando-lhe o enorme esforço de construção necessário para responder à explosão de alunos inscritos no sistema escolar após o «25 de Abril» (sobretudo no 3º Ciclo e no Secundário). Os contactos dos arquitectos com as escolas não seriam mais do que uma acção de sensibilização da comunidade escolar para os problemas que iriam enfrentar (nomeadamente a redução do espaço de aulas e os condicionamentos à circulação durante o tempo das obras), e de modo nenhum resultavam de qualquer vontade de a «ouvir».
Mas a tipologia típica de cada época não se reduzia à forma dos edifícios, incluía também o conetúdo de cada um e a sua organização interna. Se fosse possível, nem seria fácil «negociar» alterações dessas tipologias com o Ministério da Educação, nem seria fácil estabelecer consensos dentro da comunidade educativa sobre as propostas a apresentar nas eventuais «negociações». Este foi um assunto a que se iria voltar mais tarde.


Fontes: Pedro Esteves / Arquivadores de documentos analógicos ESJA Cinco (Doc. 20) e Seis (DOC.s 13, 28, 42, 59 e 61)

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