Memórias
A Escola Secundária das Laranjeiras (Ponta Delgada, Açores) foi a escolhida
para a realização do ProfMAT de 1993. Inscrevi-me e, desta vez, decidi ir um
pouco mais cedo para participar numa das acções de formação que o precederam.
E lá fui. Na 2ª e na 3ª feira (25 e 26 de Outubro) frequentei um curso sobre
«História da Geometria», orientado pelo Paulo Almeida. E nos dias seguintes, de Quarta-feira
a Sexta-feira e no Sábado de manhã, participei no encontro propriamente dito.
A Rita Vieira,
a Teresa
Nascimento e eu, membros do projecto MATlab, tínhamos preparado uma
«comunicação oral» intitulada A Matemática nas Margens do Currículo, onde
reflectíamos sobre as ligações e as diferenças entre «Ludoteca», «Centro de
Recursos» e «Laboratório de Matemática», em função dos papéis que estes espaços
podiam desempenhar para os alunos e para os professores.
Eis um momento desta «comunicação» (a Rita não se deslocou a este ProfMAT), captado por um fotógrafo profissional que circulou pelo encontro:
O que várias das escolas de Almada e Seixal tinham até aí feito neste âmbito dos velhos e dos novos espaços escolares foi por nós descrito assim (ainda não havia Power Point, sendo usados acetatos para projectar texto e imagens; mas o resultado era o mesmo):
E a tendência que prognosticávamos para o futuro destes espaços foi esta:
A nossa comunicação decorreu, claro, em torno do
que estas duas imagens podiam dizer das dinâmicas das escolas.
Coube-me ainda coordenar um «painel», subordinado ao tema A pluralidade educativa: na sala de aula, nos
programas, nos percursos individuais. Desafiei para ele o José Manuel Duarte
(Escola Secundária da Parede), o Julio Mosquera (Universidade Central da
Venezuela), a Lina
Vicente (Escola Secundária Pedro de Santarém) e o Paulo Abrantes
(Faculdade de Ciências de Lisboa).
Para convencer os participantes no ProfMAT a preferir este painel a outras
actividades que estavam a decorrer em simultâneo com ele, escrevi este texto para
o programa do encontro:
“As situações pedagógicas são cada vez mais
marcadas pela individualidade das aprendizagens e pela colectividade do
contexto.
Compreendê-lo e assumi-lo na intervenção educativa
tem importantes consequências, que estão longe da elucidação: na sala de aula (como promover as
diferenças e gerir o colectivo?), nos programas
(como pode o professor ser um seu intérprete? quem, e como, deve promover
alternativas de fundo?) e nos percursos
individuais (serão os currículos flexíveis? estarão abertos às
aprendizagens informais e às necessidades de cada um?).”
Depois, como preparação para as intervenções dos meus convidados, coloquei-lhes
(com antecedência) as seguintes questões: a) Como
gerir a diversidade de situações individuais na aula? como evitar a
homogeneização que pode resultar das pressões provocadas pelos exames?
b) Havendo um cada vez maior e mais diversificado
número de intervenientes na Escola (especialistas internos e externos, origens
culturais, aprendizagens paralelas) como lidar com essa pluralidade? como a
utilizar no desenho do currículo? c) Verificando-se
actualmente um alargamento do sistema educativo (nomeadamente através da
educação recorrente, das unidades capitalizáveis, dos cursos profissionais,
etc.), que influências interessantes pode ele exercer sobre o restante sistema
educativo?
As respostas dadas foram, como era de esperar, muito exploratórias. Mas, penso,
não se podem esperar «respostas» de um painel, mas sim o contributo para que se
desenvolva um «ambiente de debate», a prosseguir muitas outras vezes e em
muitos outros locais.
Lembro-me ainda do jantar oferecido a todos os participantes, que decorreu em vários
locais da cidade. Nele foi tirada (de novo por um profissional) esta fotografia
onde, de frente para o fotógrafo, estão (da esquerda para a direita) eu, a
Teresa Nascimento e a Patrícia Cascais (gente de Almada e Seixal):
E lembro-me finalmente da Assembleia Geral da Associação de
Professores de Matemática (APM), particularmente do debate que aí houve sobre a
«formação de professores»; o João Pedro da Ponte defendeu que ela poderia
poderia ser uma fonte de financiamento para a APM; e o Henrique Guimarães afirmou, a
dada altura, que o melhor modo de apoiar a «mudança da educação» deveria ser
através do «exemplo».
Comentários
O que recordei acima está muito associado àquilo a que se costuma chamar
«debate».
E talvez as circunstâncias da altura o favorecessem, pois a reforma curricular estava-se
a expandir pelos diversos anos lectivos, permitindo que começassem a ser manifestadas
opiniões sobre as mudanças que aconteciam e sobre as que queríamos que
acontecessem.
Hoje, passadas três décadas, podemos confrontar o que então se passava e se
dizia com a realidade que entretanto se foi instalando.
O conceito de «Laboratório de Matemática», recuperado dois ou três anos antes pelos
membros do MATlab, e que estava naquela altura a suscitar atenções dentro da
APM, acabou por ir sendo esquecido, provavelmente porque «as escolas são
pobres» (ou seja, porque nunca houve dinheiro para que elas pudessem ter
iniciativas que implicassem a criação de novos espaços).
O mesmo aconteceu com as «Ludotecas», embora um pouco mais devagar.
A estes desaparecimentos estiveram associados outros fenómenos, como o da
«formalização do currículo»: para quem o promoveu, tudo o que se faz na escola
deve ser dirigido para a promoção das orientações estabelecidas pelo Ministério
da Educação, sendo por isso quase nula a «autonomia» concedida aos professores.
O conceito de «associativismo docente », embora nunca explicitamente debatido,
também esteve presente nos Açores, muito em particular na Assembleia Geral. Ao
recordar as intervenções que referi, considero-as como representando duas
maneiras bem diferentes de o encarar, uma baseada no cálculo organizacional,
portanto pensada «a partir de cima», a outra baseada na acção individual e
colectiva, portanto sentida como devendo ser «a partir de baixo».
Foi a primeira concepção que acabou por se ir impondo.
E a força com que se estava, subterraneamente, a impor, terá sido uma das
razões para as dificuldades que um pequeno grupo de professores de Almada e
Seixal sentiram para se entender quando, um ou dois anos depois, conversaram
sobre o papel colectivo que deveriam atribuir aos seus «projectos» (ver nota «49»
ao testemunho «073»).
Fontes: Pedro Esteves / Envelope com fotografias analógicas / Arquivador de documentos analógicos APM Um (Doc. 29) / Revista da Associação de Professores de Matemática, ProfMat 1993 (pp. 159-164, 281-283)
Sem comentários:
Enviar um comentário