Memórias
Desde 1987 que a Associação de Professores de Matemática (APM) organiza um Encontro Anual de Professores (ProfMAT). O primeiro foi em Portalegre; os seguintes foram mudando de cidade, tendo, em 1992, sido em Viseu, na Escola Secundária Alves Martins.Antes do ProfMAT propriamente dito, e para quem quisesse e pudesse ir mais cedo, havia dois dias (2ª e 3ª feira), destinados ou à frequência de Cursos de Formação, ou à participação no Seminário de Investigação em Educação e Matemática (SIEM). Depois vinham os três dias e meio do Encontro, com Sessões Plenárias, Sessões Temáticas, Grupos de Trabalho, Painéis, Comunicações Orais, Comunicações em Cartaz, Sessões Práticas, uma Feira de Ideias e Materiais, a Assembleia de Sócios da APM e, até, um dia de Abertura à População - foi esta a oferta em Viseu. Era um nunca mais acabar de oportunidades para troca de ideias e para pensar.
Eu nunca tinha ido a um ProfMAT, mas desta vez fui. E o motivo pelo qual fui deve ter estado associada a duas razões (já não me recordo do que me passou pela cabeça), por um lado a vontade de partilhar o que se fazia no Núcleo da APM em Almada e Seixal, por outro perceber qual o ambiente gerado a nível nacional pela chamada Reforma de Roberto Carneiro, chegada ao 3º Ciclo no início deste ano lectivo [ver testemunho anterior].
O ProfMAT decorreu de 4 a 7 de Novembro (4ª, 5ª e 6ª feira por inteiro, mais a manhã de Sábado) e esta foi a imagem de Viseu com que os organizadores nos foram convencendo, ao longo dos meses anteriores, a nos inscrevermos:
Como o Ministro da Educação, o António Couto dos Santos (19 de Março
de 1992 a 7 de Dezembro de 1993), tinha autorizado a “dispensa de serviço” aos
participantes, não me foi dilemático faltar às aulas durante três dias (não me
inscrevi num Curso de Formação e ainda não me interessava pelos SIEMs).
Havia cerca de 1000 (!) inscritos, pelo que a organização tinha de estar
permanentemente em todo o lado. E uma das formas de o conseguir foi através de
um «Boletim Informativo» (cada dia tinha o seu), no qual havia lembretes,
comunicados de alterações, etc., etc..
Tanto neste como nos seguintes ProfMATs em que participei tive intervenções a
fazer, o que me deixou sempre afastado das tentações
turísticas. Mas recordo-me bem de duas escapadelas
em Viseu, a participação num corta-mato destinado aos inscrito (cheguei à meta
num honroso penúltimo lugar) e, sobretudo, o jantar das gentes do Núcleo de
Almada e Seixal que por lá se encontravam.
As equipas dos projectos AlterMATivas e MAT lab tínham preparado uma Sessão
Prática, intitulada Laboratório de Matemática: das explorações às elaborações.
Não me recordo exactamente do momento em que nos surgiu a noção de «Laboratório
de Matemática» (sei que foi num reunião, talvez do MATlab, e que foi o José
Tomás a dizer que aquilo de que estávamos a falar se poderia chamar assim). Mas
esta foi a primeira vez em que, fora de Almada e Seixal, nos decidimos a usá-la
[no ProfMAT seguinte, nos Açores, a decisão foi conceptualizá-la].
As duas equipas prepararam, para os que iriam participar nesta Sessão Prática, três
áreas de exploração, uma ligada aos «jogos de reflexão» (que são importantes
para o raciocínio lógico e a demonstração), outra aos «fenómenos quotidianos»
(desde que pudessem ser representados graficamente) e a última aos «modelos
físicos para conceitos matemáticos» (os quais permitem aos alunos realizar
pesquisas concretas antes de lhes serem desafiados a abstrai-las).Para nós, foi
uma boa oportunidade para amadurecer o trabalho já feito - e para o divulgar.
Comentários
Em 1992-93, a reforma curricular foi generalizada aos 2º, 5º e 7º anos de
escolaridade. Mas fazia parte de uma reforma mais geral, conhecida como Reforma
de Roberto Carneiro, que tinha outras componentes. Uma delas foi a experimentação
de um novo modelo de administração e gestão das escolas, que (felismente) não
vingou. E outra foi a formação contínua de professores.
E foi precisamente durante este ProfMAT, em 9 de Novembro, que o «Diário da
República» publicou o Decreto-Lei nº 249/92,
onde se estabelecia o Regime Jurídico da Formação Contínua de
Professores.
Num seminário promovido pelo Instituto Irene Lisboa, o investigador José Alberto
Correia comentou assim este documento:
Por um lado, ele reconhecia um
direito dos professores;
Mas, por outro, veio revelar “interesses” na
utilização dos “fundos comunitários” que o iriam
ajudar a ser implementado, razão pela qual só foi discutido depois de aprovado;
Apesar de se saber que é na formação de professores que se situa “o espaço de maior concentração ideológica dos sistemas educativos”, o próprio documento infomava ter sido uma “emanação do mundo académico”;
Politicamente, ele assentava nas “leis da economia de mercado” (oferta e procura,
embora sujeita a alguma regulação);
Teoricamente, levantava questões sobre a relação entre a «formação» e a
«identidade profissional», sobre o papel do «local de trabalho» na formação e
sobre as reais «necessidades» de formação;
E, na prática, iria privilegiar a «reprodução e não a «produção», ao favorecer
a formação «individual», «cumulativa» e, em muitos casos, «a partir de cima» (quer
centralmente, quer regionalmente);
No entanto, para os professores cujas “práticas” eram uma “crítica em actos a estas concepções”, esta lei poderia proporcionar algum “espaço de legitimação e de desenvolvimento”.
Como eu tinha sido um dos estreantes nos ProfMATs,
pediram-me um testemunho sobre como eu o vira, que seria publicado no »educação
e Matemática», a revista da APM.
Levei bastante tempo a escrevê-lo, talvez porque os meus focos de atenção
voltaram a ser os exigentes mundos da escola e do Núcleo da APM. Só o entreguei
mesmo no último dia do prazo que me deram. E, ainda talvez, porque quis referir
nele um pouco de tudo o que vira e sentira. Quem quiser pode lê-lo na página 3
do Nº 24 da revista. Eu, ao relê-lo, quase que voltei a sentir-me de novo neste
meu primeiro ProfMAT, apesar de já não me lembrar bem de vários acontecimentos que descrevi e das justificações para diversos
comentários que fiz. Transcrevo, no entanto, o último parágrafo, que hoje
considero ter sido um aviso certeiro para os problemas associativos e
profissionais que se iriam avolumar nos anos seguintes:
“O desequilíbrio associativo interno à APM, na qual já existe um grupo de trabalho de «investigadores», outro está a nascer para a «formação contínua« - mas não existe para os «inovadores», isto é, para aqueles que constituem a base de todo o sistema educativo.”
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