[041] As diferentes origens da Associação de Professores de Matemática

Memórias

Descobri, enquanto estagiava em Portimão (1983-85), que alguns dos professores sócios da Sociedade Portuguesa de Matemática se tinham aí organizado para pensarem e introduzirem mudanças no ensino da Matemática. Autodefinindo-se como Grupo Para a Renovação do Ensino da Matemática (GREM), publicaram, de 1981 a 1986, nove números de uma folha informativa a que chamaram Inflexão. Em 1986 o GREM deu origem à Associação de Professores de Matemática (APM), de que cuja chegada aos concelhos de Almada e Seixal dei notícia no testemunho anterior.

No Nº 1 do «Inflexão» (Junho de 1981) pode ler-se:
O ensino que temos assenta em duas traves mestras: - Programas desadequados; – Modelo de ensino tradicionalmente expositivo (centrado no assunto e no professor).
Pelo que se propunha:
Planeamento e organização de módulos de ensino. Elaboração de material didáctico (em especial para ser usado pelo aluno) e de documentação de apoio. Organização de Clubes de Matemática e projectos de acção interdisciplinar. Avaliação e reflexão sobre as experiências efectuadas.
E, como exemplo da elaboração de material didáctico, apresentava-se uma ficha de trabalho sobre a «Adição em Z», na qual me inspirei para produzir variantes destinadas às minhas turmas do 7º ano, primeiro em Portimão, depois no Seixal.

Antes de os voltar a reler, agora, lembrava-me sobretudo de dois contributos destes boletins.

Um deles saiu no Nº 3 (Janeiro de 1983), cuja primeira página era a seguinte:

E o que chamou, em especial, a minha atenção estava bem no centro desta página:


Era importante, para um professor que lê-se estes «direitos» (e que com eles simpatizasse), saber que tinha sido um grupo de colegas a declará-los (caso tivessem sido sua produção), ou a adoptá-los (caso tivessem tido outra origem). Ajudava o leitor a ultrapassar receios de os usar na sua escola, em relação aos seus alunos; permitindo-lhe uma «ousadia» individual, mesmo sem conhecer quem tinha divulgado estes direitos. E foi o que fiz: divulguei-os aos meus alunos em Portimão e, mais tarde, também aos do Seixal.

O outro contributo que me agradou e de que nunca me esqueci foi a descrição de um encontro de professores, ocorrido no dia 5 de Fevereiro de 1986 na Escola Preparatória Marquesa de Alorna (Lisboa). Pretendia-se, nele, preparar o nascimento da APM.
A descrição desse encontro, redigida pelo Henrique Guimarães no Nº 8 do «Inflexão» (Março de 1986), incluía o seguinte parágrafo, de que gostei muito em particular:
Foi manifestado por diversos participantes que não se deseja uma organização pesada, centralizada, com propensões burocráticas e que reduza a sua intervenção à realização periódica de encontros ou outras actividades mais ou menos «grandiosas» que conduzam à participação efectiva de poucos e à contemplação de muitos.

Não me recordo quando e como me fiz sócio da APM, mas era claro que se tratava de uma associação que me interessava.

Comentários

A divulgação dos Direitos do Aluno de Matemática em Portimão não foi nada apreciada pelos meus colegas mais conservadores, nem pela colega que me «orientou» o estágio.

A existência de «direitos dos alunos» tem implicações nos «deveres dos professores» (ou seja, na sua deontologia). Mas, nem estes viriam a ser adequadamente clarificados, nem aqueles foram consolidados - pelo que voltarei a referir uns e outros.

O encontro na «Marquesa de Alorna» teve 31 participantes, do Ensino Básico, do Ensino Secundário e do Ensino Superior. A sua descrição foi das poucas contribuições, se não mesmo a única, que foi assinada nestas folhas informativas.

Os diversos números do «Inflexão» incluíam desafios matemáticos, fichas de trabalho, comentários sobre o ensino, as potencialidades do uso dos computadores e a investigação relacionada com a educação e, nos últimos números, também informações sobre encontros internacionais de investigadores.

Como nada mais retive na minha memória, além do que referi acima, sobre o conteúdo destas «folhas informativas», fiquei agora surpreendido com algumas trechos do que aí reli.
Não foi o caso de se defender, no «Inflexão» Nº 6 (Setembro de 1985), que a futura Associação de Professores de Matemática viesse a ser “dirigida por uma equipa dinâmica que saiba estimular as mais diversas formas de cooperação entre os professores da disciplina e contribuir para o desenvolvimento da sua consciência colectiva.” Mas já me começou a incomodar, no «Inflexão» Nº 7 (Janeiro de 1986), que as razões para a criação da APM fossem um pouco limitadamente apresentadas: “Com o impulso das novas licenciaturas e mestrados em ensino, do desenvolvimento das Ciências da Educação e com a generalização de microcomputadores, surgiu um grupo que, preocupados com os problemas da Matemática em Portugal, julgam ser necessário e possível, através da criação e dinamização de uma Associação de Professores de Matemática, enfrentar de forma mais organizada e produtiva alguns dos problemas que se colocam em Portugal ao ensino da Matemática.” O meu incómodo não teve a ver que a separação, que a seguir se propunha, entre a SPM e a APM, dadas as suas diferentes vocações e a existência de idêntica separação noutros países. O que me incomodou foi a pequena extensão do mundo de preocupados “com os problemas da Matemática em Portugal” – não haveria outros que também assim estavam, e há bem mais tempo?
Este incómodo aumentou muito com a releitura do «Inflexão» Nº 9 (Setembro de 1986), publicado nas vésperas do encontro onde a APM iria ser fundada, em Portalegre. Depois de se defender que as Escolas Superiores de Educação, “enquanto instituições vocacionadas para a formação de professores, podem desempenhar um papel fundamental na dinamização pedagógica das zonas em que se inserem”, escreveu-se o seguinte: “Portugal começa finalmente a restabelecer a sua posição no movimento internacional de reflexão sobre o ensino da Matemática.” “A realização de cursos de pós-graduação em Educação Matemática no nosso país poderá contribuir para criar as lideranças necessárias para a afirmação dum movimento de inovação e renovação curricular. Mas é essencialmente com os professores que estão nas escolas, com a sua dedicação, e a sua capacidade de entusiasmar os alunos e de os envolver na prática da resolução de problemas, da investigação, da descoberta, e aplicação da Matemática, que será necessário contar para uma profunda mudança pedagógica.” Quem assim escreveu, associou a «reflexão» e a «liderança» aos meios académicos e a «dedicação» e a «capacidade de entusiasmar» e de «envolver» aos professores das escolas.

Esta minha surpresa, exactamente 50 anos depois de estas afirmações terem sido feitas, levou-me a perceber que a origem dos problemas associativos que se começaram a manifestar em meados da década de 1990 já estava patente (quase imperceptivelmente) nas vésperas da fundação da APM.
Que sócios iriam querer que esta associação fosse «não centralizada» e que outros a quereriam «centralizada»?

Fontes: Pedro Esteves / Pasta analógica SPM: «Inflexão» (Números 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9)

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