[021] As mesmas memórias, contadas num livro e num blogue

Memória

No passado dia 5 de Maio foi lançado na Escola Secundária José Afonso um livro que tinha esta capa:


Comentários

O autor deste livro e o autor deste blogue são a mesma pessoa, pelo que as memórias pessoais e documentais que estão subjacentes a estas duas publicações também serão as mesmas. Que diferencia, então, o que foi escrito naquele livro e o que está sendo escrito neste blogue?

No livro (escrito aproximadamente entre 2010 e 2020), o eixo narrativo é constituído pelas «memórias pessoais fortes», umas «positivas», outras «negativas, sendo as outras memórias, entre elas as «documentais», mobilizadas para compreender por que razões as coisas aconteceram como aconteceram.
Neste blogue (iniciado em Janeiro deste ano), o eixo narrativo é cronológico e apoia-se, em primeiro lugar, nas «memórias documentais», sendo as «memórias pessoais» e os «comentários» formas de aprofundamento de cada testemunho.
Assim, no livro, é o longo prazo que é privilegiado, pois se está constantemente a ligar o «passado», o «presente» e o «futuro», enquanto no blogue o privilégio é dado ao imediato, isto é, a cada momento testemunhado, o que pode transmitir uma sensação de «óbvio», como se as coisas que aconteceram tivessem de acontecer mesmo assim.

Ao escrever este blogue será portanto necessário ter em permanente atenção duas questões que o imediatismo dos seus testemunhos estará permanentemente tentado a esquecer:

(1ª) Por que aconteceram as coisas (quer as agradáveis, quer as desagradáveis) tal como aconteceram?

(2ª) Poderiam as coisas ter acontecido de outro modo (quer para pior, quer para melhor)?

Para contrariar esse potencial esquecimento, poderei recorrer à tese que está implícita no livro, que pode ser resumida assim:

O enfraquecimento dos controlos sociais a seguir ao 25 de Abril permitiu que os cidadãos mais empenhados identificassem problemas e lhes procurassem soluções; mas, pouco a pouco, os novos controlos sociais fizeram recuar ou domesticaram esse movimento de participação, o que na educação foi notório a partir de meados dos anos 90.
Ao longo deste duplo movimento (primeiro de expansão, depois de contenção), o contributo mais importante que a educação recebeu foi a enorme diversificação dos actores nela envolvidos, muitos deles pela primeira vez; e o contributo mais negativo teve origem nos problemas que o recuo da participação tem vindo a materializar sob diversas formas de hierarquização dos actores e das suas iniciativas.

Portanto, em cada acontecimento narrado neste blogue, poderá ser sempre perguntado: que havia nele de libertador (por um lado) e de controlador (por outro), por que razões um deles acabou por se tornar dominante?

Há outras questões que só podem ser respondidas se se conseguir um maior afastamento em relação ao acto de «testemunhar», nomeadamente através do recurso a terceiras pessoas (quer sejam elas próprias testemunhas, quer apenas cidadãos que ajudam a pensar). Eis duas dessas questões:

(3ª) Por que são contadas umas coisas e não são contadas outras?

(4ª) O que terá sido esquecido, voluntária ou involuntariamente?


Fonte (livro em suporte analógico): Esteves (2023)

[020] As eleições para o novo Conselho Directivo (1988-90)

Memórias

Um grupo de professores, entre os quais se incluíam o Alfredo Massapina, a Alice Santos, a Fátima Barata e o Sérgio Contreiras, convocou uma reunião destinada a “discutir as próximas eleições para o C. D.” na Escola Secundária do Seixal, bem como “o futuro da gestão democrática das escolas”.

A reunião ocorreu na manhã do dia 12 de Maio de 1988 e nela participaram cerca de 25 professores, o que foi um bom sinal. Houve forte debate acerca das questões ligadas à «informação», nomeadamente as relacionadas com o «orçamento» e com o papel de um C. D., tendo eu defendido que não se devia esperar que os Conselhos Directivos tomassem iniciativas culturais e pedagógicas, pois estas deviam estar nas mãos da comunidade, e muito menos que preparassem “a Escola para a mudança” (como foi defendido por um dos candidatos às eleições locais), pois essa era uma visão muito “paternalista”.

Na tarde do mesmo dia foi afixada na sala de Professores as seguintes “propostas de consenso” saídas desta reunião:
que toda a comunidade escolar participe num Projecto de Escola”;
que o futuro C. D. apresente o seu Projecto de Gestão próprio”; e
que o perfil dos responsáveis da Escola (C. D. e outros) passe por:

experiência;
bom senso;
predisposição;
empatia e capacidade de diálogo.


Com data de 19 de Maio, o Plano de Acção da Lista A (que era, aliás, lista única) teve esta capa:


Este plano era composto por uma “Introdução” e por dois capítulos, “A Gestão Democrática – a Reforma do Ensino” e “Aprofundar a vida democrática na escola e na sua gestão”; foi neste segundo capítulo que estavam concentrados os contributos relacionados com o quotidiano da escola.

Comentários

Nesta reunião, incentivada pelas eleições para o C. D., participaram professores com diversas motivações. Além dos que estavam inseridos na lista de candidatos, haveria quem estivesse preocupado com o aprofundamento da democracia nas escolas, nomeadamente com a democracia nesta escola, mas também haveria quem se procurasse perfilar como aliado do futuro poder local. Estava-se a cavar, muito lentamente, a divisão entre os que pretendiam ser aliados do «poder do topo» e os que pretendiam fortalecer o «poder da base».

Eu fazia parte do Conselho Directivo ainda em funções e não pretendia continuar num novo. Para me preparar para esta reunião, escrevi o seguinte:
Gestão pressupõe: interesses (provavelmente diferentes) e recursos (possivelmente não suficientes para todos os interesses).
Mas tratando-se da Gestão de uma Escola, ainda se deve pressupor que as linhas estratégicas do trabalho a realizar sejam: educativas para todos (a linha mais conservadora) e irreverentes perante tudo (a linha mais inovadora).
Os grandes objectivos da Gestão: compatibilizar e optimizar.
A grande opção: esperar que aconteça coisas, para lhes responder, ou não esperar pelos acontecimentos, estimulando desenvolvimentos a partir de sinais favoráveis; organizar o que existe, ou relativizar e autocontrolar a organização que se vai construindo.


No “Plano de Acção” referido, não há qualquer menção aos professores que se candidatavam como Lista A.

Os riscos verticais que figuram na imagem da capa deste Plano de Acção mostram as limitações técnicas das fotocopiadoras que usávamos naqueles anos.

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Dois (Doc. 06 e Doc. 26)

[019] Ventos de mudança no sistema educativo

Memórias

No ano lectivo de 1987-88 surgiram vários anúncios de mudanças a efectuar no sistema educativo. Havia, desde 17 Agosto 1987, um novo Ministro da Educação, Roberto Carneiro, que permaneceria neste cargo até 31 Outubro 1991, na equipa do primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.

Entre o fim de 1987 e o início de 1988, tendo como suporte a recentemente aprovada Lei de Bases do Sistema Educativo, o novo ministro apresentou planos para a Reorganização dos Planos Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário (fora em função destes planos que as escolas tinham organizado o «Dia D», tal como, em relação à Secundária do Seixal, referi no testemunho «016»).

Paralelamente, o professor Manuel Patrício, da Universidade de Évora, anunciou o Projecto Escola Cultural, a iniciar no ano lectivo seguinte, com o apoio do Ministério da Educação (na Secundária do Seixal o Conselho Directivo abordou em pelo menos duas das suas últimas reuniões - 26 de Abril e 17 de Maio - a preparação do lançamento desta iniciativa em 1988-89).

Muito interessante foi a reacção da generalidade da informação jornalística a estes ventos de mudança. Tal como hoje, ela veio embrulhada numa razoável dose de sensacionalismo, como alguns dos seguintes títulos bem ilustram:






Comentários

Já não me recordava que a palavra «reorganização» tinha sido usada neste contexto reformista, pois, uma década mais tarde, ela voltou a ser utilizada, em conjunto com uma outra, «revisão», para alterar de novo os currículos em vigor. Tanto numa como noutra destas reorganizações / revisões, a focagem terminológica estava nos «objectos» e não no modo como estavam a ser produzidos, encobrindo, assim, o facto de em ambos os casos (e nos que se seguiram, já neste século) se tratarem de mudanças «de cima para baixo».

Também já não me recordava da agitação jornalística que surgiu em volta deste início de mudanças, nem do facto de parte dela ser um tanto sensacionalista. Decorridas quase quatro décadas, esta forma de intervir intensificou-se e, hoje, não espera pelos momentos em que se anunciam «mudanças» - está sempre a pressionar quem se encontra na base do sistema educativo!

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Dois (Doc. 06, Doc. 30, Doc. 31, Doc. 33, Doc. 35, Doc. 36 e Doc. 37)

[018] Desafios à auto-organização na Escola Secundária do Seixal

Memórias

Em 1987-88 o Conselho Directivo reuniu por 36 vezes, a primeira em 7 de Setembro, a última em 5 de Julho. O alargamento das instalações da escola foi a principal origem para as dores de cabeça sentidas nessas reuniões, e na escola (ver testemunho «014»). Mas houve outras, como as trazidas pelos alunos com sinais de consumo de álcool ou de droga ou pela tensão permanente na relação com a Associação de Estudantes.

O Plano Anual de Actividades, cuja elaboração era da responsabilidade do Conselho Pedagógico, só foi aprovado perto do final de Novembro, com esta capa:


Neste ano, as actividades extracurriculares eram animadas, pelo menos, pela Associação de Estudantes, pelo Nova Maré, pelo Núcleo das Ciências Sociais, pelo Núcleo de Fotografia, pelo Núcleo de Teatro e pelo Projecto Minerva. Nas suas reuniões de 3 de Novembro e de 19 de Abril, o Conselho Directivo (CD) reconheceu haver iniciativas “surgindo por todos os lados, que são beneficiadoras e transformantes da Escola”, mas também notou que elas “levantam problemas de organização grandes, que precisam ter respostas, mesmo se provisórias”, como os problemas da “multiplicidade dos centros de decisão” e da “distribuição das verbas disponíveis”. Ficou no ar a ideia de estas iniciativas precisarem de ser coordenadas, por exemplo “através de uma Assembleia de Representantes e de um Secretariado”. Já a caminho do fim do ano, na reunião de 26 de Abril, surgiu outra ideia: integrar as actividades extracurriculares na Escola Cultural, que se iria iniciar em 1988-89.

Na Secretaria, a possibilidade de digitalização dos registos biográficos dos alunos, que os computadores do Projecto Minerva possibilitava, exigiu que o CD escolhesse uma prioridade, pois, só até aquele ano, a escola já teria tido cerca de 10 000 alunos e em 1987-88 tinha, aproximadamente, 1 700 alunos de dia mais 800 a 900 à noite. E a escolha do Conselho Directivo foi começar pelos 7ºs anos, deixando os outros anos para quando sobrasse tempo.

Numa das últimas reuniões do CD, em 31 de Maio, quando o ano lectivo estava prestes a terminar, foram expressas queixas sobre o “grande engarrafamento” que os professores que estavam em formação inicial com as suas iniciativas: elas estavam a provocar a falta de espaços e de expositores, uma informação caótica e uma coordenação muito deficiente. Procurando identificar outros problemas deste modelo de formação, coordenado pelas Escolas Superiores de Educação (ESEs), foi ainda afirmado que: “os formandos elaboram planos de investigação”, entregam-nos às ESEs, mas depois “não os concretizam”; “os custos diários das actividades dos formandos são suportados pelas Escolas” (em 1987-88, todo o dinheiro das actividades culturais desta escola tinham ido para esse fim); e no entanto as ESEs “receberam um orçamento para formação em serviço que, provavelmente, investiram em equipamentos; as Escolas Preparatórias e Secundárias não podem ser o local de todas as experiências sem que lhes sejam dadas condições e sem que lhes sejam dadas oportunidades de determinar o seu destino.”

Nas reuniões de 31 de Maio e de 21 de Junho, o Conselho Directivo lançou, pela primeira vez, a Escola Aberta, destinada aos alunos que pretendessem vir à escola durante o Verão. As actividades previstas eram o Ping Pong, diversos jogos desportivos, o Xadrez, os desafios do Projecto Minerva, do Núcleo de Fotografia e da Biblioteca e as visitas de estudo). Eis o respectivo cartaz:


Comentários

Falar em «auto-organização» significa pensar a organização, na própria escola, a partir dos problemas concretos, e não a partir da legislação, nem por gente estranha à escola.

A decisão sobre a prioridade de digitalização dos «registos biográficos dos alunos» contou com a opinião das funcionárias administrativas que tinham começado a concretizá-la.

Nos dois desenhos, de que fui autor, há uma tentativa de incorporar sinais «patrimoniais» patentes nas proximidades da escola, além de sinais «identitários» da própria escola. Eu tinha acabado de chegar a este concelho há pouco mais de dois anos, pelo que esta escolha foi ingénua (ainda não me tinha apercebido de quão esta escola se estava a fechar sobre si – assunto para futuros testemunhos).

Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Dois (Doc. 06, Doc. 24 e Doc. 25); os desenhos eram meus