Memórias
Pouco depois do início do ano lectivo, de 8 a 11 de 1988, a Sociedade
Portuguesa de Matemática organizou, no auditório do Instituto Franco –
Português, em Lisboa, uma Escola de Outono em História da Matemática. Os
temas a abordar interessaram-me, pelo que me inscrevi, e lá estive, mas apenas nos
dias 8 e 10, de manhã e de tarde.
Tomei notas a sete das conferências, proferidas em português, espanhol e
francês. Nelas se abordou a história de alguns ramos da Matemática, como a
«estatística» e a «análise diofantina», mas também a vida e obra de Sebastião e
Silva e, com especial interesse para mim, alguns das facetas sociais e culturais
em que a Matemática esteve e está inevitavelmente envolvida, como a «astronomia»
e as interacções entre povos.
Das notas que tomei, as que agora mais gostei de reler foram as sobre uma das
conferências de R. Rashed, intitulada «Problèmes de la transmission de la science grecque en arabe»:
Como não são fáceis de ler, transcrevo essas notas a seguir:
“Problema da transmissão de conhecimento: quem
transmite? por que transmite? como?
Para o caso da mediação árabe em relação à ciência grega há uma primeira razão
forte para as nossas preocupações pois várias obras nos chegaram só
parcialmente em grego, conhecendo nós outras partes apenas na sua tradução
árabe (caso dos “Elementos” de Euclides, dos trabalhos de Apolónio sobre as
cónicas, das análises de Diofanto, etc.).
Primeira observação: foram os descendentes dos produtores da ciência grega (em
Alexandria, em Antioquia, etc.) que traduziram esta para árabe; não houve uma
emigração; tratou-se de continuidade através de povos que, entretanto, haviam
sido convertidos religiosa e linguisticamente.
Segunda observação: não se tratou apenas de uma “tradução” sem vida; algo mais
passou de mão em mão, as técnicas, os hábitos administrativos, as formas de
pensamento, etc..
Início do século IX, em Bagdad: a ciência começa a profissionalizar-se; até
esta altura apenas se tinham traduzido algumas obras, das quais por vezes só
nos chegaram os títulos e que, aparentemente, resultaram de iniciativas
individuais; ao ser iniciada esta organização da ciência (e ao se começarem a
notar as primeiras escolas concorrentes), as ciências exactas já são abrangidas
e não apenas a jurisprudência, a medicina, etc..
As traduções foram feitas massivamente, sem deixar textos de parte, mas sem
nenhuma ordem especial (cronológica, por dificuldade, ou outra), e foram feitas
deliberadamente; verifica-se que acompanharam trabalhos paralelos de
investigação e por vezes seguiram-nos (isto é, não foram elas que,
forçosamente, desencadearam a investigação); melhor ainda, foram investigadores
de primeira ordem que se encarregaram (ou supervisionaram) as traduções.
São de rejeitar portanto as teses de recepção passiva
da tradição grega e do desencadeamento do pensamento árabe a partir do seu
contacto com a tradição grega.”
Comentários
Devo ter precisado de justificar faltas às aulas da tarde nos dois dias em que
assisti às conferências, uma 3ª e uma 5ª feira, pois elas constavam no meu
horário (conforme se pode verificar no testemunho «022»).
O conceito desta «Escola de Outono» correspondeu apenas a «conferências».
O que me agrada na conferência do R. Rashed é a noção de que cada «actor»
(neste caso os «cientistas árabes») tem as suas motivações próprias, podendo
inspirar-se noutros actores, sem nunca se lhe submeter (se não for obrigado a
isso, claro).
Por conseguinte, este agrado também se deve aplicar à participação numa
conferência, uma modalidade, entre outras, de «formação contínua»: que
motivações nos levam a conhecer o que outros investigam e como pretendemos
trabalhar essas informações de acordo com os nossos propósitos?
Fontes: Pasta analógica ESCOLA DE
OUTONO (Doc. 2)
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