[094] O 2º Encontro «Educação e Memórias: Almada e Seixal

Memórias

Realizado no passado dia 29 de Janeiro, de novo na Escola Básica de Vale de Milhaços, este encontro foi constituído por três intervenções.

O Pedro Esteves descreveu o projecto AlterMATivas, através do qual um grupo de professores das Escolas Secundárias Anselmo de Andrade, de Cacilhas, Emídio Navarro, Nº 1 e Nº 2 do Laranjeiro e Nº 1 do Seixal anteciparam, nos anos lectivos de 1990-91, 1991-92 e 1992-93, com os seus alunos, a reforma curricular no 3º Ciclo. E apelidou de «Matemática Experimental» a estratégia pedagógica genérica que esses professores escolheram, como a que está subjacente ao seguinte exemplo:


Por fim, comentou as duas «hipóteses de partida» que tinham sido formuladas, concluindo que a opção por um projecto próprio fora benéfica para o modo como os professores que o implementaram se envolveram nas mudanças que estavam em curso e que a Matemática Experimental, se fora benéfica para as aprendizagens de muitos alunos, mas não o fora para todos, colocando como nova hipótese a necessidade de uma sua mais profunda participação.

O Manuel Lima contou como a construção de canoas na Escola Secundária Moinho de Maré (entretanto desactivada) proporcionou, no início do Verão, descidas do rio Tejo a grupos de alunos e de professores. E contou como, mais tarde, já na Escola Secundária João de Barros, essas descidas se alargaram a outros rios, e como destas iniciativas resultou a fundação de Clubes de Canoagem nas Escolas de Corroios.


Ao descrever uma das descidas que foram melhor documentadas fotograficamente, o Manuel Lima contou ainda como ela proporcionou um contexto favorável a diversas aprendizagens, por alunos e por professores, nos campos das Ciências da Natureza e da Geografia Humana, e, sobretudo, ao desenvolvimento de amizades duradouras.

E a Ângela Mota, a Helena Peixinho e o Manuel João descreveram as múltiplas actividades artísticas iniciadas na Escola Básica António da Costa, que, ao se diversificarem, justificaram a criação da Associação Mundo do Espectáculo, hoje com uma larga história e um presente pleno de intervenções:

Comentários

Como participante (e interveniente) neste encontro gostaria de registar algumas questões que me fizeram pensar, acrescentando-as às que já registei a propósito do 1º Encontro (testemunho «091»):

(1) Estes três testemunhos (diferentemente dos relatados no 1º Encontro) evidenciaram fortes colaborações entre professores, e, em dois deles (os que descreveram projectos mais duradouros), a importância da diversidade dos seus contributos: de que modo o sucesso dos projectos depende deste factor?

(2) Estes três testemunhos referiram-se a projectos que foram pensados para serem interescolas (ou que não hesitaram em o ser quando isso lhes proporcionou um crescimento), e também neste aspecto foram diferentes dos relatados no 1º Encontro: não estarão hoje as iniciativas das escolas (e dos agrupamentos de escolas) limitadas pelo seu encerramento em si próprias?

(3) Não será o associativismo docente imprescindível para que sejam realizados e ampliados os projectos que surgem numa escola (assim o parecem sugerir um dos testemunhos do 1º Encontro e outro do 2º Encontro)?

(4) Que tipo de parcerias ajudam estes projectos a serem concretizados e, sobretudo, a serem ampliados?

(5) A participação dos alunos, desejada (mas diferentemente concretizada) pelos dinamizadores dos seis projectos testemunhados nestes dois encontros, não dependerá daquilo que for definido (mesmo se apenas implicitamente) como «sucesso escolar» (ou como «sucesso educativo»)? E se assim for, não deverá esta definição ser mais amplamente debatida por todos?


Informação: as actas deste Encontro, bem como outros documentos com elas relacionados, estarão em breve acessíveis através do link referido no final do testemunho «091» (onde fiz um breve comentário sobre o «1º Encontro»).


Fontes: Pedro Esteves / Arquivos digitais [pasta «Educação e Memórias: Almada e Seixal» / «2º Encontro (29 de Janeiro de 2025)»]

«093» Um ano lectivo muito diferente (sobretudo para mim): 1995-96

Memórias


As eleições legislativas de 1995 foram ganhas pelo candidato da oposição, António Guterres, o que levou, no dia 28 de Outubro, a uma mudança de ministros da educação: saíu Manuela Ferreira Leite e entrou Eduardo Marçal Grilo (este manteve-se no cargo até 25 Outubro de 1999, quase quatro anos).
Houve um única outra novidade relevante no sistema educativo durante este ano lectivo, a generalização da Reforma Curricular ao 12º ano de escolaridade. Mas, para mim, este ano foi muito diferente do habitual, por razões que nada tiveram a ver com estas mudanças vindas do topo do sistema educativo: com a parte curricular do mestrado concluída, o respectivo projecto de investigação aprovado e um Ano Sabático para o implementar, não tinha turmas para leccionar, embora, cumulativamente ao desafio que assumira, quisesse continuar a dar um apoio na minha (Ludoteca e elaboração do Projecto Educativo) e no Núcleo da APM (Interescolas de Jogos de Reflexão e Encontro Anual de Professores).

Pretendia, com a investigação, compreender a dinâmica cultural gerada pelos professores de Matemática que se tinham envolvido no Núcleo da APM, desde que este fora fundado, em 1989-90. Para isso, precisava de apreciar documentos que haviam registado esta curta história e, para os interpretar, precisava de entrevistar alguns dos colegas que nela tinham estado mais empenhados.
Para as entrevistas escolhi a Filomena Teles, o José Tomás e a Rita Vieira (mais tarde o meu orientador, o José Manuel Matos, quis que eu acrescentasse uma auto-entrevista). Concretizei as três entrevistas em 26 de Setembro e em 16 e 23 de Novembro, usando, como era inevitável naquela altura, um gravador analógico e as respectivas cassetes para as registar magneticamente numa fita:


O gravador analógico e as cassetes com as entrevistas gravadas


A parte mais dura foi a transcrição do som (analógico) para a escrita (digital). Ainda hoje é uma actividade demorada, apesar de tudo ser digital, mas naquela altura era-o ainda mais, pois os dispositivos de controlo do som (pára, arranca; pára, arranca) eram difíceis de manejar. No entanto tinha uma pequena compensação estética: como este trabalho foi feito na Alemanha (onde estava a minha família mais próxima), fi-lo sentado em frente a uma janela onde, frequentemente, podia ver a neve a cair lá fora.

Uma das vantagens de ser o entrevistador a fazer a transcrição (há quem a encomende) é passar mais tempo com os entrevistados. Não é só ouvi-los de novo, é também escrever o que ouve, tendo portanto mais tempo para ir pensando no que ouviu e assim reforçando a empatia com quem falou. Este maior envolvimento levava a que, ao fim de algumas manhãs, quando saía de casa para ir almoçar, ainda estava a «falar» ou com a Filomena, ou com o Zé, ou com a Rita, até me dar conta de que, à «nossa volta», estava a nevar.

Já usei parte destas três entrevistas quando fiz o balanço do projecto AlterMATivas [testemunhos «069» a «073»]. E nelas também abordei os outros dois projectos interescolas que o Núcleo da APM lançara, o MATlab e o InterMAT; além, claro, da vida associativa que os tornou todos estes projectos possíveis.
Vou voltar a essas entrevistas, seleccionando desta vez o que nelas há de «balanço» do que fizéramos e, por vezes, de «sonho» em relação ao futuro. Estávamos, por volta desse ano lectivo, num momento de «transição», que nada tinha a ver com a mudança de ministros, e que estava muito para além daquilo que nos era de imediato perceptível. Na altura não o percebi, mas hoje essa «transição» já se me tornou muito mais clara.

Para a Rita Vieira, saber que existiam materiais didáticos, como o geoplano, que se podiam usar na aprendizagem da Matemática, não tinha sido suficiente para que ela se decidisse levá-los para as suas aulas. Foi sobretudo com o projecto AlterMATivas que ela deu “o grande salto”: se “já sabia” que era importante os alunos usarem “alguns materiais”, “trabalharem em grupo”, “tirarem conclusões”, “fazer conjecturas”, também sabendo que havia quem o fizesse, sem que “nunca” o tivesse “visto”, foi com os colegas do Núcleo com quem viria a trabalhar no AlterMATivas que ela sentiu ter um “apoio de rectaguarda”, um grupo onde poderia “discutir aquilo”.
Já antes do AlterMATivas, na altura em que foi fundado o Núcleo da APM, com colegas que ela não conhecia (à excepção da Ângela e da Filomena), se tinha gerado um ambiente do tipo «E se a gente fizesse, e se a gente fizesse?», ela sentira ter-lhe aparecido um grupo onde teria a coragem para dar “o grande salto”.
As vantagens de trabalhar em grupo também existiram no projecto MATlab, embora aí as oportunidades fossem menos intensas, pois os produtos finais não as exigiam tanto, dado se tratar de um projecto extracurricular. Foram portanto estes projectos, e o Núcleo, que “vieram resolver um problema, que foi o trabalho em grupo”. E isso foi importante para ela porque não tinha tido situações dessas na escola, a não ser muito pontualmente.

No entanto a Rita ficou com uma dúvida fundamental acerca do relacionamento que tinha com os alunos, conforme trabalhava com eles nas aulas, ou fora das aulas: “Eu gostava de perceber o que é que se passa dentro de uma aula que faz com que duas pessoas, as mesmas, mudem de espaço e tenham uma atitude completamente diferente, não só em relação um ao outro mas em relação ao próprio trabalho”, desabafou. No ano anterior ela tinha estado “com não sei quantos miúdos a construir sólidos” geométricos para uma exposição que os professores estagiários de Física e Química da sua escola fizeram em Almada; “eles estiveram ali [sempre com grande “alegria”] a fazer aquilo, a contar os quadrados que eram precisos, a contar quantas faces, e depois como é que é os vértices, e depois como é que [tudo se une].” Então, “o que é que se passa? o que é que muda?” entre a aula e o fora da aula?

Mas, continuou ela, naquela altura os projectos associados ao Núcleo também estavam a ter problemas, pois nem estavam activos, nem os seus materiais estavam a ser utilizados. E deu uma pista para isso: “Se não tivesse havido Reforma [Curricular] a gente tinha continuado a trabalhar”; os novos manuais escolares até tinham sido elaborados por colegas com quem nós concordávamos “mais ou menos”, pelo que teremos sentido que não precisávamos de fazer os nossos materiais, e o AlterMATivas “esvaziou-se aí”.
Quanto ao MATlab, que não desapareceu logo, se se verificou um aumento do número de participantes, a sua intensidade de trabalho passou a ser mais reduzida, apesar de haver imensas ideias por explorar.

O que se estava a passar com os projectos, comentou a Rita, também tinha a ver com o Núcleo. Ela chamou a atenção para haver professores que tinham deixado de aparecer, talvez para tratarem das “suas coisinhas” nas respectivas escolas, ou para evitarem assumir responsabilidades na coordenação do Núcleo (nós defendíamos que esta devia ser rotativa). E também reparou que havia professores que intervinham nos encontros anuais organizados pela APM mas não nos do Núcleo. E isso trazia o “perigo” de os encontros regionais serem transformados “em ir lá alguém [de fora] a debitar” e nós [os de dentro] apenas a “receber”.
“O que me apetecia propor” concluiu a Rita, era “fazer um levantamento exaustivo do que as pessoas estão a fazer, mas as pessoas podem não estar para isso, não é”, podem não querer que aquilo que fazem seja “como um trabalho integrado no Núcleo”; e, nesse caso, “o Núcleo não serve para nada e então acaba-se com ele”, pois além do encontro regional de professores “começa a não servir para nada”.

O José Tomás não se tinha envolvido tanto no Núcleo e nos seus projectos interescolas, preferindo investir na mobilização dos colegas da sua escola. Por isso, nesta entrevista, queixou-se exclusivamente das dificuldades que aí encontrara.
Depois de defender o “direito ao projecto” e de chamar a atenção para que a possibilidade de realizar projectos nas escolas não estava a ser respeitada, por não lhes serem proporcionadas as adequadas “condições”, considerou que aquilo a que se chama “cultura de escola” é a “cultura do funcionalismo” do Estado (uma “entidade que ninguém percebe quem é”). Era a primeira vez que ele estava tanto tempo na mesma escola, pelo que só agora se apercebia das “profundas relações que se estabelecem [nelas]”, ou seja, “aquilo que a gente quer dizer quando fala na cultura de escola”, e que “não vai mudar nos próximos séculos”. Para ele, as escolas eram “instituições anti-projecto”, porque os professores têm nela um grande poder, exercido através da avaliação dos alunos, e porque a maioria dos Conselhos Directivos procura controlá-la em seu benefício. O que existia de interessante nas escolas eram as “bolsas de resistência”, sendo a partir delas que podia haver alguma frontalidade em relação a esse duplo poder. A “condição de profissional da educação”, concluiu o Zé, deveria equivaler a estar “na escola de corpo inteiro”, nas aulas e fora delas; para se implementar um projecto não é possível fazê-lo sózinho, pois há constantes exigências para o “reflectir”, para o “reformular”, para o “reapreciar”.

Por isso, na altura em que foi entrevistado, aquilo que o Zé gostava de fazer “era ir experimentar outras coisas", pois na escola não via “condições de mudança”. Talvez iniciar um “projecto novo”, como “uma cooperativa ou coisa do género”. Mas, interrogou-se, receava que “o sistema” acabasse por fechar essa via, pois os miúdos, “mais tarde ou mais cedo”, terão de entrar nele, terão de “fazer exames e provas pedagógicas, e exames profissionais”, problema que já havia sido colocado pelo Movimento da Escola Moderna: aí os miúdos têm “direito à palavra”, a “questionar o professor”, a “questionar o poder do professor” e o seu “poder de saber”; mas mais tarde esses alunos iam “com a mesma postura” para a escola oficial e eram “cilindrados pelo sistema”, eram “considerados irreverentes, mal-educados”.

O que atraíu inicialmente a Filomena Teles na escola foi a possibilidade de aí fazer “trabalho extra-curricular”, tendo a “profissionalização em exercício” sido uma primeira oportunidade para isso. E a Escola Cultural foi uma outra, dando “mais importância à formação integral do aluno” e exigindo que as actividades escolhidas fizessem “parte do Plano de Escola, com objectivos, com estratégias de trabalho, com uma série de preocupações que ligavam o que se passava nos clubes aos objectivos gerais dos currículos”; mas quando os professores que não estavam interessados em “mudar” notaram que os alunos aderiam a esse tipo de actividades, desencadearam-se os “conflitos”.
Por isso, a certa altura, a Filomena procurou realizar actividades semelhantes às extracurriculares nas suas aulas, onde não teria de enfrentar conflitos provocados por outros professores. E mais tarde interessou-se pelo trabalho com os seus colegas do Núcleo da APM no AlterMATivas e no MATlab, pois aí se poderiam realizar “actividades que não estavam directamente ligadas aos objectivos do programa”.

No entanto, desabafou a Filomena, todas estas actividades dependiam do ambiente da escola, e esta cada vez dizia menos aos alunos: até ao início do 3º Ciclo a escola ainda lhes dizia qualquer coisa, a partir daí a “sociedade”, através dos “valores” que a “comunicação social” transmitia, tinha “mais força”, e a “cultura da escola” não a conseguia contrariar, porque leva muito tempo a mudar (não adiantando tentar mudá-la “por decreto”); alguns anos antes ainda havia uma abertura à mudança mas, naquela altura, o “retrocesso” era enorme, com cada vez mais “problemas sociais”, pedindo-se à escola que os combatasse “com armas que não [têm] a mesma força” que a da televisão.

Por isso, desejou a Filomena, teria “piada” que o grupo do AlterMATivas e do MATlab, tal “como ele está, com as experiências enriquecidas que tem, fosse trabalhar todo para uma escola”, por exemplo uma “escola integrada”, onde pudesse fazer uma experiência” de desenvolvimento dos alunos, “não só na Matemática”, também com psicólogos e sociólogos, com a sociedade “mais dentro da escola” e com a escola “mais cá fora”, de modo a que “as próprias famílias se fossem modificando e tivessem um papel”, como talvez já acontecesse na Escola Primária.


Comentários

Estes três testemunhos tiveram dois aspectos fortemente em comum: por um lado, olharam de um modo muito crítico para as escolas e, um pouco, para o Núcleo da APM; por outro, preocuparam-se menos com os condicionamentos externos do que com a procura de uma continuação para o trabalho conjunto que até aí tínhamos feito.

A Rita não encontrara na sua escola gente com quem trabalhar em grupo. A Filomena deparara, nas escolas que conhecera, com muitos professores que estavam contra as «mudanças». E o Zé, em vez de colegas com uma atitude profissional «de corpo inteiro», encontrara nas escolas por onde passara muitos «funcionários do Estado», que usavam a avaliação dos alunos (ou os cargos directivos) como fonte de poder, deduzindo daí que as escolas seriam «instituições anti-projecto», apenas confrontáveis por algumas «bolsas de resistência».
Por isso a Filomena, considerou que os projectos em que se envolvera com colegas do Núcleo da APM tinham sido uma solução para as dificuldades que encontrara; mas, para a Rita, também estavam a surgir sinais preocupantes no Núcleo, pois muitos dos professores que aí se tinham inicialmente envolvido estavam a desviar a sua atenção para outras prioridades.
Segundo a Rita, uma explicação para a redução do interesse em trabalhar no Núcleo poderia estar na Reforma Curricular que se estava a generalizar, quer pelos desafios que a sua implementação na escola colocava, quer porque esses colegas preferiam o apoio que os novos manuais escolares lhes trouxeram.

A negatividade do «balanço» feito pela Rita, pelo Zé e pela Filomena encontrou um eco só parcialmente esperançoso quando eles formularam o que desejavam para o «futuro».
A Filomena gostaria que o grupo com que trabalhara nos projectos, em vez de estar disperso por várias escolas, se transferisse para uma mesma escola, onde dispusesse de condições institucionalizadas para fazer um trabalho com maiores hipóteses de sucesso; mas, receou ela, ainda seria necessário enfrentar a influência crescente que a «sociedade», via «meios de informação», exercia sobre os alunos.
O Zé imaginou uma «cooperativa» onde pudesse concretizar «projectos» (para o que seria necessário reunir um grupo com as mesmas intenções); e, tal como a Filomena, receou o que aconteceria aos alunos quando fossem envolvidos no choque entre esse isolamento e a realidade exterior.
E a Rita, mais próxima da realidade em que estávamos, apenas gostaria de fazer um «levantamento» do que estava a ser dispersamente feito, para poder imaginar que ligações estabelecer entre todas as iniciativas que estavam em curso, admitindo, no entanto, que os colegas poderiam não estar interessados nisso.

Sentíamo-nos isolados, procurávamos uma solução para a nossa vontade de intervir e de cooperar, mas estávamos bastante cépticos.

Já não me recordo claramente do que eu próprio sentia nessa altura. Mas como tinha decidido entrar no mestrado [testemunho «090»], a minha escolha terá sido «aprender mais» e, ao investigar com novos conhecimentos, «compreender melhor» o que me rodeava. E só depois decidiria o que fazer, mantendo entretanto contacto com a minha escola e com o Núcleo.

Mas havia muitas coisas que estavam a mexer nesses anos de transição para a segunda metade da década de 90, algumas delas já identificadas, retrospectivamente, nos testemunhos anteriores:

* Acabava de ser decidido que o próximo Encontro Nacional de Professores de Matemática (ProfMAT), organizado pela APM, se iria realizar, no final de 1996, em Almada; mas essa decisão fora tomada sem consultar os sócios do Núcleo da APM em Almada e Seixal, embora dependesse inevitavelmente do apoio de muitos deles, pelo que teria consequências no trabalho aqui realizado; foi um sinal de que o associativismo a nível nacional começava a impor interesses que podiam não coincidir com o associativismo regional;

* O início da Reforma Curricular absorvia muitas atenções dos professores que a implementavam; foi o caso da Área Escola, que mobilizou alguns grupos de professores mas que também gerou fortes indiferenças, ou até alguma resistência, por parte doutros [testemunho «086»];

* Uma minoria dos professores não se sentia confortável com a Reforma Curricular que estava a ser generalizada, sentindo-a já como tendo falhado; se eles procuravam manter a sua «autonomia» (iniciativas curriculares próprias; formação contínua independente), a maioria dos seus colegas hesitava acerca dos exemplos em que se deveria inspirar, se nos do Ministério da Educação, se nos do Ensino Superior, se nos dos seus colegas mais «autónomos» [testemunho «090»];

* À medida que a generalização da Reforma Curricular foi sendo feita, alguns professores do ensino superior começaram a pretender «ensinar os professores do ensino não superior» (e não apenas os futuros professores) [testemunho «090»]; paralelamente, começaram a surgir medidas que tornavam a formação académica hierarquicamente mais importante que os outros tipos de formação [testemunho «092»];

* As escolas estavam a ser gradualmente envolvidas na elaboração de um Projecto Educativo próprio; o poder de um tal instrumento, ao desencadear os interesses de quem o queria usar a seu favor, obrigou todos os outros actores a esforços mais intensos e apressados para o transformar em ferramenta comum [testemunho «088»];

* Alguns parceiros das escolas começaram a propor-lhes «grandes iniciativas» destinadas à sua «participação», o que alienou as alienou do controlo sobre as iniciativas em que se envolviam; a «naturalização» destas «parcerias», a vontade que alguns desses parceiros tinham em hegemonizar certas áreas da educação e a fraca vontade de autonomia da maioria dos professores, impediu que este problema fosse atempadamente identificado [testemunho «087»];

Havia, pois, uma profunda mas silenciosa mudança em curso, e todos nós estaríamos com bastante dificuldade para a apreender e indecisos acerca do que deveríamos (e poderíamos) fazer.



Fontes:
Wikipédia (para os ministros da Educação)
Pedro Esteves / Arquivadores digitais «Tese de Mestrado» (Doc.s: 4EXPR11, 4EXPR12, 4EXPR13, 7ANEX3, 7ANEX4 e 7ANEX6)