[030] Terá 1988-89 sido um ano lectivo de «transição» na Escola Secundária do Seixal?

Memórias

No final de 1987-88, precisamente no dia 8 de Junho, o Conselho Pedagógico da Escola Secundária do Seixal aprovou um conjunto de recomendações a ter em conta no Plano de Actividades de 1988-89. O documento que as propunha foi redigido pelo João Louro, que estava a concluir o seu mandato como presidente do Conselho Directivo e do Conselho Pedagógico, e era apoiado por alguns documentos anexos.
O que os membros do Conselho Pedagógico tiveram nas suas mãos tinha a rara virtude de descrever o «presente», tendo em conta o «passado» e olhando para o «futuro».

Os dois parágrafos iniciais da “Caracterização da Escola” descreviam-na assim:
Localizada à entrada da Vila do Seixal, em zona semi-Urbana, onde se mistura a proximidade dum espaço dormitório (Torre da Marinha) com a gigantesca presença Industrial da Siderurgia (Paio Pires), a difusa permanência do meio rural e a crescente teia dos serviços, a Escola Secundária do Seixal é parte de um mundo cultural em mudança e assume-se, junto com múltiplas colectividades e o município, como um dos seus agentes e centros de reflexão.
Tradicionalmente Escola Comercial e Industrial, ampliou recentemente o seu domínio às áreas humanistas. Aqui se lecciona o 3º ciclo do ensino básico, o secundário, os cursos nocturnos (geral e complementar) e ainda o profissional (secretariado e metalomecânica) e o técnico-profissional (manutenção mecânica). Frequentam-na 2700 alunos e possui um corpo docente de 170 professores.

As recomendações aprovadas incluíam um “Projecto Pedagógico”, um “Projecto Direcção de Turma”, um “Projecto Cultural”, um “Projecto Formação Contínua e Projecto Investigação”, um “Projecto Informação” e um “Projecto de Recursos e Infraestruturas”. E propunham um “Tema Anual”, sendo dada como exemplo para ele esta questão: “a defesa dos patrimónios diversos e o avanço das novas tecnologias são compatíveis ou incompatíveis?

Esta dialéctica entre a «continuidade» e a «mudança» estava também presente no “Projecto Cultural”. Entre as suas seis linhas de trabalho encontravam-se estas três:
manutenção das festas tradicionais realizadas na Escola”;
criação de espaços (físicos e temporais) a atribuição de animadores (professores ou não) para todas as iniciativas estruturadas em «grupo», ou «clube», ou «associação»”;
criação de uma coordenação eficaz deste conjunto de actividades (é impossível fazê-lo exclusivamente a partir do Conselho Directivo ou do Conselho Pedagógico).
E entre as origens para as “tendências renovadoras” que se estavam a revelar na Escola destacou-se a animação trazida pela “formação em serviço”, que então prolongava a que acontecera nos “tempos da profissionalização em exercício” e que fora “consubstanciada nas iniciativas culturais e desportivas da Associação «Nova Maré», símbolo da nossa história mais próxima.”

Como materialização desta dinâmica são referidos oito grupos / clubes / núcleos, quatro já activos em 1987-88 (a Associação «Nova Maré»; o Clube de Ciências Sociais; o Grupo de Teatro «Os Arlequins»; e o Núcleo de Fotografia) e outros quatro preparados para iniciar actividades em 1988-89 (o Cine Vídeo Clube, o Clube Galileu de Ciência; o Clube de Informática, Electrónica e Novas Tecnologias; e o Núcleo Cristão).
E, acrescentava-se, “A interacção directa entre as actividades curriculares e as extracurriculares pode esquematizar-se através do seguinte quadro” (em cima estão identificados os grupos curriculares, segundo o código daquela altura):

Comentários

As citações feitas acima têm origem nas recomendações aprovadas pelo Conselho Pedagógico e num dos seus anexos (“Caracterização da Escola e do seu Projecto Cultural”).

A Escola Cultural, que tinha como objectivo promover as actividades extracurriculares nas escolas, foi idealizada por Manuel Ferreira Patrício, da Universidade de Évora, e assumida pelo Ministério da Educação, tendo sido experimentada em diversas escolas ao longo de três anos lectivos, 1987-90. Para a integrar, e assim obter os respectivos apoios, era necessário elaborar uma candidatura de que fazia parte o Projecto Educativo de Escola.
A Escola Secundária do Seixal candidatou-se uma vez à Escola Cultural, tendo as recomendações aprovadas no Conselho Pedagógica tido a ver com essa candidatura.

O facto de esta candidatura não ter sido aprovada pela Escola Cultural levou ao arquivamento do Projecto Educativo que tinha sido elaborado.
Esta «desistência» em relação a uma coordenação global das actividades da Escola pode ser entendida por outras manifestações mais fundamentais: a expectativa em relação ao papel agregador que a Associação «Nova Maré» poderia desempenhar, e que lhe estava inscrita nas origens, foi gorada (apenas funcionou o respectivo jornal); o Clube Galileu de Ciência também não conseguiu juntar os professores de Matemática, de Física e de Química, de Biologia e de Geografia; e o Clube de Ciências Sociais iria desaparecer em breve, como consequência da saída do Escola do seu principal animador, o Alfredo Massapina.
O espírito «colectivo», que, segundo alguns testemunhos, era muito forte na Escola Secundária do Seixal até (cerca de) meados da década de 1980, estava a ceder perante as iniciativas «individuais».

A existência da «Associação Nova Maré», com sede na Escola Secundária do Seixal, foi oficializada em «Diário da República» no dia 5 de Março de 1983 (IIIª série, nº 53, página 3164). Eis o respectivo texto:


E o jornal «Nova Maré», tendo como proprietária a «Associação Nova Maré», foi inscrito no dia 22 de Agosto de 1983, após solicitação de António Matos, como publicação periódica na Direcção-Geral da Comunicação Social.

 Fontes: Pedro Esteves / Arquivador analógico ESJA Dois (Doc.s 56, 57, 58, 59 e 60)

[029] Um segundo contacto com a S. P. M.

Memórias

Pouco depois do início do ano lectivo, de 8 a 11 de 1988, a Sociedade Portuguesa de Matemática organizou, no auditório do Instituto Franco – Português, em Lisboa, uma Escola de Outono em História da Matemática. Os temas a abordar interessaram-me, pelo que me inscrevi, e lá estive, mas apenas nos dias 8 e 10, de manhã e de tarde.
Tomei notas a sete das conferências, proferidas em português, espanhol e francês. Nelas se abordou a história de alguns ramos da Matemática, como a «estatística» e a «análise diofantina», mas também a vida e obra de Sebastião e Silva e, com especial interesse para mim, alguns das facetas sociais e culturais em que a Matemática esteve e está inevitavelmente envolvida, como a «astronomia» e as interacções entre povos.

Das notas que tomei, as que agora mais gostei de reler foram as sobre uma das conferências de R. Rashed, intitulada «Problèmes de la transmission de la science grecque en arabe»:

Como não são fáceis de ler, transcrevo essas notas a seguir:

Problema da transmissão de conhecimento: quem transmite? por que transmite? como?
Para o caso da mediação árabe em relação à ciência grega há uma primeira razão forte para as nossas preocupações pois várias obras nos chegaram só parcialmente em grego, conhecendo nós outras partes apenas na sua tradução árabe (caso dos “Elementos” de Euclides, dos trabalhos de Apolónio sobre as cónicas, das análises de Diofanto, etc.).

Primeira observação: foram os descendentes dos produtores da ciência grega (em Alexandria, em Antioquia, etc.) que traduziram esta para árabe; não houve uma emigração; tratou-se de continuidade através de povos que, entretanto, haviam sido convertidos religiosa e linguisticamente.
Segunda observação: não se tratou apenas de uma “tradução” sem vida; algo mais passou de mão em mão, as técnicas, os hábitos administrativos, as formas de pensamento, etc..

Início do século IX, em Bagdad: a ciência começa a profissionalizar-se; até esta altura apenas se tinham traduzido algumas obras, das quais por vezes só nos chegaram os títulos e que, aparentemente, resultaram de iniciativas individuais; ao ser iniciada esta organização da ciência (e ao se começarem a notar as primeiras escolas concorrentes), as ciências exactas já são abrangidas e não apenas a jurisprudência, a medicina, etc..
As traduções foram feitas massivamente, sem deixar textos de parte, mas sem nenhuma ordem especial (cronológica, por dificuldade, ou outra), e foram feitas deliberadamente; verifica-se que acompanharam trabalhos paralelos de investigação e por vezes seguiram-nos (isto é, não foram elas que, forçosamente, desencadearam a investigação); melhor ainda, foram investigadores de primeira ordem que se encarregaram (ou supervisionaram) as traduções.


São de rejeitar portanto as teses de recepção passiva da tradição grega e do desencadeamento do pensamento árabe a partir do seu contacto com a tradição grega.

Comentários

Devo ter precisado de justificar faltas às aulas da tarde nos dois dias em que assisti às conferências, uma 3ª e uma 5ª feira, pois elas constavam no meu horário (conforme se pode verificar no testemunho «022»).

O conceito desta «Escola de Outono» correspondeu apenas a «conferências».

O que me agrada na conferência do R. Rashed é a noção de que cada «actor» (neste caso os «cientistas árabes») tem as suas motivações próprias, podendo inspirar-se noutros actores, sem nunca se lhe submeter (se não for obrigado a isso, claro).
Por conseguinte, este agrado também se deve aplicar à participação numa conferência, uma modalidade, entre outras, de «formação contínua»: que motivações nos levam a conhecer o que outros investigam e como pretendemos trabalhar essas informações de acordo com os nossos propósitos?

Fontes: Pasta analógica ESCOLA DE OUTONO (Doc. 2)