[092] O fim de um ciclo no Centro de Formação da APM

Memórias


O Centro de Formação da Associação de Professores de Matemática (CF da APM) foi criado em 1993, tendo adoptado como a filosofia da «formação baseada em projectos» [ver testemunho «082»].

A formação contínua dos professores tinha acabado de ser tornada obrigatória, estando portanto entre as principais preocupações do associativismo docente. Um exemplo dessa preocupação foi a realização do Seminário sobre Formação de Professores, organizado pelo Secretariado Inter-Associação de Professores (SIAP), que decorreu no Externato Marista de Lisboa, em 28 e 29 de Janeiro de 1994, e no qual participaram nove das associações que integravam o SIAP.

Pouco depois, também o CF da APM organizou um Seminário, destinado aos projectos de professores de Matemática que se quisessem nele inscrever, designando-o por Projectos e Formação: Acção, Reflexão e Matemática. Decorreu ao longo de 8 sessões, de Abril a Outubro desse ano, e incluiu várias intervenções vindas do mundo dos investigadores, sobre «formação centrada na escola», sobre «concepções dos professores» (quer acerca do ensino, quer acerca da profissão), sobre «saberes dos professores», sobre «projectos e formação» e sobre «didáctica e formação». E destinou duas das sessões à audição da voz dos próprios projectos.

Participaram neste Seminário professores ligados a seis projectos, assim caracterizáveis:
* Geometria – do concreto ao abstracto, da indução à abstração, envolvendo 31 professores de 16 escolas da região de Leiria (leccionando desde o 1º Ciclo ao Secundário), organizados em 5 grupos, cada qual com um orientador;
* Métodos Quantitativos – programa para o ensino artístico, envolvendo os 5 professores de 5 turmas do 10º ano da Escola Secundária António Arroio, em Lisboa, organizados como grupo único, com uma orientadora;
* G. E. M. – gráficas no ensino da matemática, envolvendo 4 professores de 4 escolas da região de Lisboa (leccionando 7 turmas do 10º e do 11º anos), organizados como grupo único, com uma orientadora;
* História e Ensino da Matemática, envolvendo 7 professores de 7 escolas da região de Lisboa (leccionando 5 turmas do 3º Ciclo e 2 do 10º ano), organizados como grupo único, com uma orientadora;
* Oficinas de Matemática, envolvendo 3 professores da Escola Conde de Oeiras (leccionando o 3º Ciclo), organizados como grupo único, com uma orientadora;
* INTERMAT, envolvendo 27 professores de 13 escolas dos concelhos de Almada, Cascais e Seixal (leccionando desde o 2º Ciclo ao Secundário), organizados em 3 grupos, auto-organizados.

Resumindo estes números, estavam representados neste Seminário 77 professores (que leccionavam em 42 escolas das vizinhanças de Leiria e de Lisboa), mais 9 orientadores.
Através das notas tiradas aos debates ocorridos durante estas duas sessões, consegui identificar os seguintes professores que nele participaram: Adelina Precatado; Albano Silva; Alcides; Ana Vieira Lopes; António (Leiria); Cristina Loureira; Elvira (Leiria); Filomena Teles; Graciosa Veloso; Josefa; Isabel Paulo; Manuela Pires; Margarida, Mª José Oliveira; Paula Teixeira; Paulo Abrantes; Pedro Esteves; Rita Bastos; e Rita Vieira.

Eis como o decorrer deste Seminário foi descrito, em Junho de 1994, no boletim informativo da nossa associação:



Comentários

Na primeira das sessões destinada a «ouvir a voz dos participante» (realizada no dia 4 de Maio) as intervenções centraram-se em cada projecto, pelo que não foram abordadas questões gerais. Mas na segunda das sessões (no dia 22 de Outubro), dado pretendermos apreciar o trabalho que fizéramos, essas questões puderam vir ao de cima.
O que para mim foi mais interessante, olhando agora para o que então foi dito, disse respeito ao futuro que desejámos para a formação contínua na nossa associação: alguns dos professores envolvidos nos seis projectos defenderam, claramente, que se deveria continuar a apostar na «modalidade projecto», ou seja, na formação que resultasse das intenções de intervenção na escolas; mas duas ou três vozes consideraram que esta modalidade era «elitista», pelo que defenderam a reconsideração da estratégia até aí seguida pelo Centro de Formação da APM.

Porque terão alguns sócios da APM afirmado que a «formação baseada em projectos» era «elitista»?
Eles pretenderiam certamente dizer que um «projecto» não estava ao alcance de qualquer professor, ou seja, que poucos seriam capazes de o elaborar e de o concretizar, e que portanto não seria um bom contexto para a sua «formação».
Só que, ao dizê-lo, esqueciam o facto de, desde há quinze anos, um enorme volume de «formação inicial» ter sido realizado como Profissionalização em Exercício, cujo eixo era a elaboração e a implementação (durante dois anos) daquilo a que se chamava Plano Individual de Trabalho (PIT). Ou seja, o Ministério da Educação considerou que qualquer professor, mesmo sem experiência profissional, era capaz de elaborar e de implementar um projecto (o PIT era, de facto, um «projecto»), e muitos professores cuja formação inicial seguiu essa via (eu fui um deles) consideram, hoje, que essa foi a melhor modalidade de sempre para a concretizar.

Então, porquê, em 1994, alguns professores terem considerado que um projecto não estava ao alcance de qualquer um?
A explicação para esta estranha opinião estava em que o Ministério da Educação se tinha tornado mais conservador, e isso reflectia-se no modo como estabeleceu as regras para as diferentes modalidades de formação contínua: a modalidade de «projecto» fora definida, de facto, como inacessível para a grande maioria dos professores, a não ser que fossem acompanhados por um “orientador” e “avaliador” que tivesse, pelo menos, a qualificação mínima de “mestre”!
Portanto, os «projectos» não eram «elitistas»: as regras que foram impostas à «modalidade de projecto» é que o eram, nomeadamente estabelecendo uma hierarquia que conferia especial poder à formação académica. Se o Centro de Formação e a própria APM não fossem capazes de enfrentar criticamente esta imposição, os professores iriam ficar dela prisioneiros.

Para a formação contínua na APM, o ano lectivo de 1994-95 começou com este Seminário. E durante o resto dete ano o Centro de Formação não tomou uma posição clara sobre se iria continuar ou se iria mudar a estratégia formativa que tinha adoptado desde que fora criado. Eu fazia parte da coordenação do Centro de Formação e fui gradualmente sentindo que os meus colegas deixavam de ter força para defender a formação contínua baseada nos envolvimentos dos professores e estavam a começar a defendê-la com base em conceitos provenientes de teorias académicas conservadoras, pelo que decidi retirar-me desta colaboração com a APM.

Alguns meses mais tarde, em Janeiro de 1996, a Direcção da APM anunciou que o “ciclo” da formação contínua baseada em projectos terminara e que seria necessário iniciar um novo “ciclo”.


Fontes: Pedro Esteves / Arquivador de documentos analógicos APM Três (Doc.s 23, 24, 27, 31, 32, 42, 43, 45, 46 e 47)

[091] O 1º Encontro «Educação e Memórias: Almada e Seixal

Memórias


Há cerca de dez anos um grupo de professores e outros educadores iniciaram o esboço de um projecto de recolha das memórias ligadas à educação nos concelhos de Almada e Seixal. Inicialmente chegaram a reunir-se duas dezenas de interessados, mas, pouco a pouco, o grupo foi-se reduzindo, destacando-se entre os resistentes o Antão Vinagre, o Carlos Abreu, o Joaquim Guerreiro e o Pedro Esteves.
Em 2016 o projecto foi interrompido, tendo sido retomado no final de 2024.

Em vez de um grande encontro» optou-se agora por organizar vários «pequenos encontros», cada qual com a duração máxima de um dia, de modo a que no espaço «entre-encontros» pudéssemos ir mobilizando mais testemunhantes e garantir-lhes tempo para preparar os respectivos testemunhos.

O 1º destes encontros foi realizado no passado dia 14 de Novembro, na Escola Básica de Vale de Milhaços, tendo sido constituído por três intervenções, seguidas de debate e acrescentadas com uma conversa final. As actas, bem como outros documentos relacionados com este encontro, estão acessíveis através do link referido no final desta mensagem.

O Manuel Lima contou como, ao longo de vários anos, na Escola Secundária João de Barros, com os seus alunos, foi «salvando pedras» que contavam partes da história do concelho do Seixal:


O Joaquim Guerreiro testemunhou o modo como experimentou, na Escola Básica António Augusto Louro, a metodologia do Movimento de Escola Moderna (MEM) com as suas turmas:


E a Lídia Matias descreveu o que fez para, ao longo de mais de trinta anos, ir mantendo e melhorando a Ludoteca da Escola Básica de Vale de Milhaços:


O 2º Encontro «Educação e Memórias: Almada e Seixal» será realizado no dia 29 de Janeiro, na mesma escola.


Comentários

Como participante neste encontro, gostaria de destacar cinco das questões em que ele me fez pensar:

(1) a dada altura o Manuel Lima lembrou que a preocupação em salvaguardar vestígios materiais do património local havia sido aprendida no Ecomuseu Municipal do Seixal, onde ele já trabalhara - não deveriam os professores envolver-se em muitas experiências exteriores às escolas de modo a terem uma compreensão mais vasta das potencialidades educativas que se lhes deparam?
(2) o Joaquim Guerreiro, quando decidiu inspirar-se na metodologia do MEM, alterou radicalmente a sua forma de ensinar – não terão os professores falta de contactos associativos frequentes, capazes de lhes trazerem inspirações transformadoras?
(3) a Lídia Matias iniciou a Ludoteca da sua escola com o apoio do associativismo, mas depois fez um longo percurso sem dispor de quaisquer apoios – não mereceriam as experiências de longa duração de uns professores ser aproveitadas por outros?
(4) estas três histórias tiveram, sem excepção, uma forte (ou até exclusiva) componente extracurricular, o que agradou bastante aos participantes nos respectivos debates – não andaremos a deixar-nos fechar demasiado nas prescrições curriculares?
(5) enquanto professor fui múltiplas vezes abordado para ajudar a encontrar colegas que respondessem a inquéritos destinados a teses de mestrado, mas nunca os resultados dessas teses chegaram à minha escola – não deverão ser os professores (ou outros profissionais) a recolher, a debater e a organizar as suas próprias memórias?


Fontes
: arquivos digitais de Pedro Esteves, pasta «Educação e Memórias: Almada e Seixal», ficheiro 1º Encontro (e) Actas


Link para download da documentação relacionada com o 1º encontro: https://www.dropbox.com/scl/fo/62a158ffpjbinmq5eu0yz/AOqzXqnvT3n8qkEyiRiRAk0?rlkey=fq90xev8duxtek4q28qikxo9n&st=h1d712nw&dl=0