[088] Em 1994-95 a José Afonso estava a mudar: o caso da elaboração do Projecto Educativo

Memórias

No texto que escrevi, algures no início de 1992-93, propondo à Escola Secundária do Seixal e ao seu Conselho Directivo que elaborássemos um Projecto Educativo [ver o testemunho «077»], incluí uma citação de Berta Macedo em que ela, após estudar empiricamente o que algumas escolas já haviam feito, o classificou, de acordo com a mobilização de actores, em três tipos:
* o projecto do «chefe» ou da «equipa», correspondente ao paradigma racional-burocrático de “organização eficaz”, no qual os factores como a negociação, a tomada de decisão e a participação não são considerados elementos fundamentais para a sua riqueza e realização;
* o projecto «adição de projectos dos grupos», correspondente a uma organização escolar descriptível como “sistema debilmente acoplado” ou como “anarquia organizada”;
* e o projecto da «organização escola», correspondente ao reconhecimento de que “é na riqueza dos actores e na sua interacção que se joga uma parte fundamental da coerência, pertinência e qualidade dos projectos”, sendo neste sentido que “elaborar um projecto de escola pode ser entendido como algo que ultrapassa a questão do domínio de um conjunto de técnicas e dispositivos sobre metodologias de projecto, para se transformar num processo de compromisso colectivo sobre a lógica ou lógicas de funcionamento da escola”.

Só em 1993-94 esta tentativa de elaborar um Projecto Educativo foi iniciada, tendo sido realizadas pelo menos três reuniões (as que tenho documentadas). As duas primeiras destinaram-se ao grupo que iniciaria o processo e a terceira foi aberta a toda a escola.
A abertura à escola pretendia mobilizar os professores mais dinâmicos, a partir dos quais outros poderiam ser depois mobilizados. Por isso ficou acordado que, ao longo do ano, esses professores iriam contactar os grupos que pensávamos vir a ter um papel na definição do projecto: a Associação de Estudantes, a Associação de Pais, os Funcionários, os grupos disciplinares, os projectos da escola, a Secção de Formação do Conselho Pedagógico, as turmas e os respectivos Directores de Turma).

Para ter uma primeira ideia sobre o resultado desta estratégia «bola de neve» é possível recorrer a uma lista de quem se envolveu (sempre voluntariamente) nestas reuniões:


O grupo inicial era constituído por dois membros de um antigo Conselho Directivo (o Louro e eu), por dois membros do Conselho Directivo em funções (o Luís Carlos e a Teresa) e pela coordenadora da Biblioteca Escolar (a Alice).
Quanto aos participantes na reunião aberta, com a excepção de dois, ou haviam sido membros de Conselhos Directivos, ou eram-no, ou viriam a sê-lo nos próximos anos. As excepções eram a Alice e a Carla.

Em 1994-95 o número de reuniões de que tenho notícia não foi muito maior (quatro) mas o número de participantes alargou-se bastante:



Comparando-os com o ano anterior, deixaram de participar nestas reuniões a Alice Santos, a Anabela Esteves, a Carla Ferreira, a Manuela Vieira e, por terem saído da escola (para a Câmara Municipal do Seixal), o Luís Carlos Carvalho e a Teresa Ré (penso que foi durante este ano que ela saiu).

No total dos dois primeiros anos, houve 35 professores que participaram em pelo menos uma das sete reuniões realizadas, tendo eu sido o único totalista, seguido pelo João Louro e pela Madalena Ferreira, que participaram em cinco (a Madalena apenas se iniciou no final de 1993-94).
Estes 35 participantes representariam perto de 20 % do total dos professores da escola, o que não seria mau, desde que eles se envolvessem com entusiasmo. Mas a média de reuniões em que cada um deles participou foi muito baixa (ligeiramente inferior a 2 reuniões). Pelo que, apesar de a média de participantes em cada uma das reuniões ter sido mais aceitável (cerca de 10), nem era de esperar um trabalho continuado por parte de muitos deles, nem uma grande interacção entre os diversos sectores da escola.
É possível ilustrar este receio com o caso dos professores que animavam os projectos extracurriculares: dos 20 que foram referenciados na reunião de 11 de Janeiro de 1995 [ver testemunho «086»], somente 10 participaram nos encontros destinados à elaboração do Projecto Educativo em 1993-94 e 1994-95 (e representavam apenas seis dos dez projectos animados por esses 20 professores).

Contrariando o desconforto que este receio justificava, houve progressos no trabalho efectuado durante 1994-95:
* as áreas a figurar no futuro Projecto Educativo começaram a estabilizar (a curricular; a extracurricular; a social; a administrativa; e a das instalações);
* foram constituídos grupos de trabalho para entre o fim das aulas e o início das férias dos professores: a Ana Chorincas, a Ana Fiel e a Rosário Leocádio elaborariam o «inquérito» a aplicar depois das férias; a Antónia Fradinho, a Aurora Garcia e eu pegávamos na «área escola»; a Adelaide Pereira, a Clorinda Agostinho, o João Louro e a Naia Tricamegy analisavam as «questões pedagógicas»; e a Alexandra Pratas, a Ana Crespo, a Madalena Ferreira, a Adelaide Duarte e a Luísa Gracioso dedicavam-se à «escola cultural».
* e foi elaborado um calendário para o que se previa ser necessário fazer no ano seguinte, 1995-96, que começaria por um plenário dos anteriores grupos de trabalho, a concretizar logo no início de Setembro, antes de as aulas recomeçarem.

E com estes progressos chegavam também os sinais da diversidade de pontos de vista que, oportunamente, teriam de ser conciliados:
* uns pensavam que o Projecto Educativo deveria «valorizar a cultura própria» da escola, sendo portanto necessário respondermos a perguntas como «em quê, como escola, somos bons?»;
* outros pensavam que, se o Projecto Educativo (por exemplo) optasse pelas «pedagogias activas», deveríamos, consequentemente, definir o «perfil do aluno» a sair da escola, bem como o «perfil do professor» necessário ao êxito desse trabalho;
* e havia quem pensasse ao contrário dos anteriores, defendendo que só através da concretização do Projecto Educativo se poderia conhecer a «cultura da escola», e até «criar uma nova cultura», pelo que o «perfil da escola dependia dos alunos e dos professores que nela estivessem».


Comentários

A classificação dos Projectos Educativos que a Berta Macedo elaborou era, como qualquer outra classificação, uma forma de estabelecer diferenças que ajudassem a perceber as forças e as fraquezas dos casos concretos.

Com base nessa classificação, que se pode então dizer do nosso primeiro Projecto Educativo, elaborado em função da candidatura à «Escola Cultural» e exclusivamente constituído com os contributos dos membros do Conselho Pedagógico [ver o testemunho «030»]?
Ele nem resultou de «um chefe», nem de «uma equipa», nem de «uma aproximação entre actores», sendo mais parecido com «uma adição de projectos». Mas essa «adição» não tinha qualquer «alma»: mal se soube que não havíamos sido seleccionados para a Escola Cultural, o projecto foi automaticamente esquecido. Elaborar este Projecto Educativo foi uma tentativa para aproveitar uma oportunidade, seguida por uma resposta oportunista.

A intenção subjacente à segunda tentativa para elaborar um Projecto Educativo, esta que estou a descrever, apontava, claramente, para o terceiro dos tipos descritos pela Berta Macedo, ou seja, pretendia que fosse um projecto resultante da aproximação e da interacção entre os diversos actores escolares e da sua consequente adopção por todos. Por isso estes foram desde cedo identificados e o processo de elaboração mantido aberto à participação de todos, procurando assim evitar quer a sua apropriação por grupos particulares, quer a mera adição dos contributos dos diversos membros da comunidade.
Esta segunda tentativa também viria a falhar. Distante da anterior em cerca de meia década, ela é uma boa fonte para perceber o que a escola evoluiu ao longo deste espaço de tempo e, também, por ter sido uma tentativa lenta, para perceber o que ainda lhe faltava evoluir para se poder reivindicar como «autónoma».


Fontes:
Pedro Esteves / Arquivador de documentos analógicos ESJA Seis (Doc.s 65, 71, 87, 103, 106 e 107)
Artigo de Macedo (1994)

[087] E no entanto, em 1994-95, a José Afonso estava a mudar: o caso dos contactos com entidades externas

Memórias


Em meados da década de 90 os contactos com entidades exteriores não eram uma novidade para a José Afonso, mas foi por essa altura que eles começaram a deixar de ser discretos.

Durante o ano lectivo de 1994-95 aconteceu um desses contactos que, tanto quanto me recordo, não se voltou a repetir em anos posteriores: a AERSET (Associação das Empresas da Região de Setúbal) decidiu realizar, de 7 a 12 de Março, em Brejos de Azeitão, o que então designou por Feira da Formação 95.
As escolas do distrito de Setúbal foram desafiadas a participar, com os seus projectos, e, entre muitas outras, também a José Afonso lá dispôs de um espaço próprio, animado durante todas as tardes e noites da feira por grupos de alunos e de professores.
Nessa animação esteve incluída a Ludoteca, que disponibilizou diversos jogos e quebra-cabeças, tendo o «Ouri» tido um sucesso muito particular. A coordenação coube ao José Calado, na 3ª e na 4ª feira, ao Manuel Neto, na 5ª e na 6ª feira, e a mim, no fim-de-semana, com a ajuda de cerca de 30 alunos das minhas turmas.
Segundo me disseram o Calado e o Neto, os visitantes durante a semana foram, sobretudo, alunos de diversas escolas. E, de acordo com o que eu observei no fim-de-semana, foram maioritariamente os adultos a aparecer, embora passassem, olhassem mas raramente perguntassem e ainda menos experimentassem o que tinha vindo para a feira com a intenção de ser experimentado.
Na opinião de nós três, o que terá sido mais interessante na participação das escolas foi o intercâmbio de ideias entre os professores e os alunos das várias escolas envolvidas: quem expôs foi quem teve maior curiosidade acerca do que os outros expuseram.

Uma das alunas animadores do cantinho da Ludoteca, a Eurídice Pico, ao terminar a sua participação, comunicou deste modo a sua satisfação: “Nunca me diverti tanto na minha vida!

O cantinho da Física-Química da «José Afonso»

O Vítor Campos a supervisionar (rodeado pelas «máscaras»)

O cantinho da Mecanotecnia da «José Afonso»

O cantinho da Ludoteca da «José Afonso», com a Luísa Gracioso, os seus filhos e alguns alunos 



Comentários

A intuição de que aqueles que expuseram em Azeitão foram aqueles que também estiveram interessados em ver o que outros expuseram é radicalmente contrária à intenção subjacente à realização desta «Feira da Formação»: exibir ao público um suposto poder empresarial de mobilização.
Em minha opinião, o importante de qualquer feira é o contacto entre quem está pessoalmente e/ou profissionalmente envolvido no respectivo tema, pelo que é adequado perguntar se terá sido boa ideia as escolas terem aceite participar naquela feira, em vez de, organizando-se a si próprias, realizar uma feira destinada exclusivamente ao contacto entre alunos e professores em torno dos seus projectos, essa, sim, uma boa estratégia de «formação». Esta pergunta surgiu-me hoje, mas não me ocorreu na altura. E, como se verá abaixo (neste e noutros testemunhos), a alienação do controlo sobre as suas próprias iniciativas foi um problema que as escolas não identificaram a tempo de evitarem o seu enorme agravamento nas últimas três décadas.
Uma hipótese que coloco hoje é a de a identificação desse problema ter sido impossibilitada pela débil vontade de autonomia da esmagadora maioria dos professores.

Complementarmente à anterior, outra hipótese explicativa para que as escolas tenham começado a perder o controlo sobre as suas próprias iniciativas foi a vontade que muitas das entidades exteriores tiveram de serem elas a hegemonizar vastas áreas relacionadas com a educação e com as escolas. Dou a seguir alguns exemplos, que observei e anotei em 1994-96 (e que, nalguns casos, tinham raízes em anos anteriores), todos provenientes de entidades externas às escolas que dispunham de meios poderosos:
A Câmara Municipal do Seixal foi a primeira a concluir a Carta Escolar do concelho; para o fazer, inquiriu cuidadosamente os diversos actores educativos, entre eles as escolas; tratava-se, segundo o município, de um documento de “planeamento da rede escolar”, pelo que, penso, se justificava envolver os actores a quem foram solicitadas informações de “diagnóstico” na definição do que se pretendia para os próximos 10 anos (o horizonte do planeamento), desafio que não lhes foi feito. O município preferiu decidir sozinho.
A Câmara do Seixal também decidiu apoiar projectos das escolas, tendo estabelecido, unilateralmente, os temas que esses projectos poderiam ter para serem apoiados e o número de projectos a apoiar em cada escola;. Deste modo, introduziu uma distorção nas possibilidades de sobrevivência das diferentes iniciativas dos alunos e dos professores.
O Instituto de Apoio à Criança (IAC), ligado à Fundação Gulbenkian, concretizou em 1994 o 6º encontro sobre ludotecas (fazia-o de 2 em 2 anos). No Nùcleo Regional da APM (Associação de Professores de Matemática) desconhecíamos essa iniciativa, ficando a saber dela porque o IAC me contactou para conversarmos (o que aconteceu no dia 12 de Janeiro de 1994); informei o IAC sobre a Ludoteca da José Afonso, sobre as de Almada e Seixal e sobre as demais que conhecia, ligadas à APM e dispersas pelo País; e fiquei a saber que as ludotecas escolares conhecidas pelo IAC tinham um perfil de actividades diferente do reflexivo, sendo, maioritariamente, animadas por professores de línguas e de Educação Visual. Apesar desta franca troca de informações, nunca fomos convidados a participar nos encontros das ludotecas (mas também nunca fomos capazes de organizar um encontro nosso abrangendo ludotecas para além da nossa região).
Em 1994-95, o Projecto Viva a Escola (parte do Projecto Vida) teve o seu 5º ano de implementação. Segundo me pareceu pelos documentos que me chegaram, o seu tema central era, agora, o Programa de Promoção e Educação para a Saúde. Cada escola envolvida recebia anualmente 500 contos (muito mais do que cada escola envolvida nos projectos AlterMATivas e MATlab recebera do Instituto de Inovação Educacional) e os professores coordenadores dispunham de 4 horas semanais de redução de serviço lectivo, podendo candidatar-se à formação contínua na modalidade de projecto (nada de que qualquer dos professores envolvidos no AlterMATivas e no MATlab tivesse auferido). Não haveria, também aqui, uma distorção das condições necessárias à sobrevivência da diversidade de projectos das escolas?


Fontes: Pedro Esteves / Arquivador de documentos analógicos ESJA Seis (Doc.s 65, 78, 84, 85 e 86) / Álbuns de fotografias analógicas ESJA Sete (F114: 8, 12, 22 e 23) e Oito (F115: 4 e 12)